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domingo, 29 de agosto de 2010

Insônia que leva ao sonho

A insônia abateu sobre mim numa madrugada de sábado. Fui então abrir a janela do quarto para o vento puro e sonolento renovar o ar do cômodo marrom.
- Que vida sem graça! Que noite linda! Como sou velho!
Debrucei-me no parapeito da janela na esperança de ver algum bêbado com o relógio atrasado pelo álcool ou algum marido que fingiria ter o relógio atrasado pelo trabalho. Nenhum dos dois tipos passou. Passaram corujas atentas à procura de algo novo; mas corujas não me interessam, oque me interessa é gente, é fala, é pele, é sorriso ou lágrima.
Passaram então, para matar minha sede de gente e acentuar ainda mais minha insônia, alguns jovens alegres e fortes. Faziam barulho de sapatos distintos, de vozes distintas e de idades semelhantes. Deviam estar voltando de alguma festa, de alguma comemoração, e alguns deles traziam vestígios de estarem tontos, alcoolizados; mas nada os impedia de serem lindos, pois eram jovens, sem medo da vida ou da morte, do certo ou do errado. Alguns cantavam , outros se paqueravam , outros só observavam os protagonistas.
Uma loira de cachos rebeldes e olhos reinventados pela lua era a mais eufórica do grupo; dançava com todos, ria para tudo e fazia jorrar poesia na rua. Ela chegou a me ver, acenou. Eu retribuí o cumprimento. Ela então gritou lá de baixo:
- Vem pra cá, vem andar com agente !!!
Eu, sem dizer palavra, fiquei perplexo. Não pensei nem uma nem duas vezes, coloquei meu hobby vermelho, calcei minhas havaianas e desci escada abaixo. Eles me esperavam na mesma farra, sorrindo, cantando e dançando. A loira me pegou pelos braços e me abraçou com emoção. Eu já não entendia mais nada.Não era preciso entender; fomos chegando ao fim da rua e ao fim de minha velhice, pois agora eu fazia parte daquela juventude tão eterna e deliciosamente poética.

H.Reis

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Ave humana


Dentro de mim mora um pássaro. Um pássaro com asas e bico está dentro de meu ser. Suas penas fazem carinho e seu bico não me machuca. Seu canto é o brilho dos meus olhos quando penso no amor, quando penso que o amor pode dar certo. Quando ele se cala, minha esperança se afrouxa, deixando murcha a alma presa em minhas veias. A glândula uropigeana do pássaro corresponde ao meu coração, que ao invés da glândula (que secreta óleo para impermeabilizar as penas) produz amor, para tapar os buracos que a tristeza e a solidão deixaram em mim. Vou sobrevivendo desse amor solitário, que até hoje espera um outro pássaro para completar sua metade e fazer dela uma só.

H.Reis

Será que acabou?

Meus queridos seguidores, já devem ter percebido que não escrevo faz mais de uma semana. Isso é lastimável. Mas é o real, e sabe oque eu acho? Que o potinho que eu tinha no qual era colado o rótulo ''INSPIRAÇÃO'' acabou. É, é muito triste, mas tudo que é bom um dia acaba.
Brincadeirinha!!!! HAHAHA
Mas estou mesmo preocupada, minha inspiração fica cada vez mais escassa.
Tinha que desabafar isso aqui, em meu refúgio mais compreensivo.
Isso deve ser fase. Prometo escrever muitos e muitos mais textos para mim e para vocês, pois é isso que me mantém viva; que mantém viva minha vontade de ser melhor, cada vez mais e mais...
Um beijo dessa blogueira que adora vocês de coração,
H.Reis

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Criança é fogo

O espelho

- Mamãe, compra um espelho pra colocar no meu quarto?
-Claro meu amor, também acho que precisa. Vou falar com seu pai e agente vai comprar no sábado, pode ser?
- Aham, ele fez uma cara de contrariado; dava pra perceber que ele queria o espelho naquele dia, se possível.
A semana passou e Edu só falava do espelho. Eu percebi logo a expectativa criada na compra do obejto, fiquei um pouco preocupada mas depois me desencanei, pois, porque uma criança de 6 anos ia se preocupar tanto com um espelho? E ele me falava que não era um espelho qualquer,que era bem diferente dos que tinham lá em casa.
Chegou o tão esperado dia e fomos lá, a família feliz, comprar o espelho e mais algumas coisas que precisava.
Entrando na loja, Edu avistou um funcionário, que ele reconheceu por estar com o uniforme da loja e foi logo perguntando:
- Moço, tem espelho aqui, né? Acho que se o vendedor falasse que não, Edu teria um treco ali na hora.
- Claro que tem, quer que eu te mostre alguns modelos?
Eu estranhei aquela cena; como um vendedor oferece ''mostrar alguns modelos'' de algum produto para uma criança de 6 anos e sozinha? Fui lá acompanhar o precoce. Cumprimentei o vendedor com uma cara de reprovação e fomos ver os tais modelos de espelho. Aquela história já estava me cansando.
Chegamos no local onde ficavam as peças e o funcionário foi mostrando cada uma, Eduardo dizia que não era aquela que queria, e nem aquela ali.
Chegando na penúltima peça à mostra, eu perguntei:
-Mas, meu filho, acho que o espelho que você está querendo não existe. Já olhamos todos, de tudo quanto é jeito e não é oque você quer! Explica pra mamãe como é o espelho que você tá procurando.
Eduardo ficou calado e girou os olhos por toda a loja para ver se encontrava o que queria. Logo depois, os olhinhos negros dele deram um salto e ele disse:
- É aquele ali, mamãe! É aquele ali! Apontou para o teto e sorriu!
Eu não acreditei no que estava acontecendo.
- Mas meu filho, pelo amor de Deus, você quer um espelho para colocar no teto do seu quarto?
Eu já estava constrangida e o vendedor dava risadas abafadas daquilo tudo.
-Onde você viu um espelho desses, Eduardo?
Ele, com os olhinhos ainda saltitantes e brilhosos, disse:
-Ah, mamãe, lembra aquele dia que eu fui brincar na casa do Luiz Fernando?
- Aham!
-Então, agente foi brincar no quarto da mãmãe e do papai dele e lá tinha um espelho desses, bem encima da cama. Então eu também quero um. É legal né?
Criança é fogo!

H.Reis

domingo, 15 de agosto de 2010

Mais que luto...


Um professor, um amigo, um companheiro nosso, Cléber Viana, faleceu; e nós, Letícia e eu, estamos muito tristes e queremos manisfestar essa tristeza. Ele foi uma pessoa que fez diferença na vida de seus alunos; as aulas dele não eram aulas de espanhol ou literatura espanhola; eram aulas de vida e sensibilidade.
Cléber, nunca te olvidaremos!


H.Reis, eterna alumna suya.

sábado, 14 de agosto de 2010

Este Blog é Bipolar

Olá seguidores queridos, o Gota de Limão foi indicado pelo blog da Gabi Morgante , Mundo Platônico, para o selinho: ''Este blog é bipolar''.


Fiquei surpresa e felicíssima com a indicação. Agradeço muito à minha querida colega blogueira Gabi. Seu blog é mais que indicado aqui!
Mas não é só isso ,pessoal. Existem regrinhas. É; tenho que indicar outros blogs e ainda contar dez coisas sobre mim.
Então vamos lá, né? Depois de ter um blog indicado para uma coisa legal, contar dez curiosidades sobre você não deve ser difícil.

1- Sou noveleira. Ah, é genética. Minha avó também é.
2- Sempre rio quando estou nervosa; então, se me contar que alguém morreu e eu der um risinho, não se ofenda.
3- Tudo, tudo o que acontece à minha volta eu tenho vontade de escrever. É tudo poesia pra mim.
4- Amo café, mas nunca tomo puro, só com leite.
5- Meu brigadeiro faz sucesso.
6- Me imagino como professora de Literatura. (?)
7- Odeio estereótipos.
8- Faço amizade muito fácil.
9- Acho Napoleão Bonaparte um charme.
10- Meu filme preferido da infância é Polegarzinha.

Blogs indicados:


Adorei fazer isso, muito obrigada pela oportunidade, Gabi.
E também muito obrigada a todos os meus seguidores. Sem vocês, não tem blog.
Beijos, H.Reis.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

A velha mais confusa

Eu sou uma velha que todos pensam que não pensa. Sou ''esclerosada e psicótica''. Esquecem-me na frente da televisão por quase um dia inteiro e vão para seus afazeres. Não percebem nem sabem que vejo e analiso tudo. Reparo que falam de mim, que me julgam. Vejo meu neto se entreter com Machado de Assis e faz ele muito bem. Vejo minha neta de 14 anos conversando ao telefone, dizendo à amiga que o teste de gravidez deu negativo ''graças a Deus''; isso por que ontem mesmo eu a ouvi jurando para a mãe ser virgem. Vejo meu genro enganando a trouxa da minha filha. Vejo nos olhos de minha filha que sente pena e dó de mim; porque agora não sou mais tão ''viva'' quanto era antes.
Para todos, só funcionam os meus olhos. Mas meu cérebro está aqui, mais ativo que nunca, fotografando as mais simples cenas cotidianas. Eu era escritora. Não dá pra acreditar? É, deve ser mesmo estranho ver um texto tão confuso como este e depois saber que foi uma escritora que o ''escreveu''. Não , não escrevi; é meu cérebro que registra. Está mais vivo que nunca. Já disse isso? Pare de ler isto; vá me julgar como os outros. Pense que sou sim uma velha ''esclerosada e psicótica'' que nunca foi jovem. Deixem meu cérebro em paz, pois assim, julgado como ''estragado'' ele pode funcionar sossegadamente.
É, eu disse a tempo a todos: ''É inútil lutar. Deixem-me morrer jovem.'' Mas estou velha e veja como acabei: esquecida em frente à uma tela de comerciais e programas capitalistas. Mas pelo menos me resta meu cérebro.
Ah, esqueça! Você, jovem, nunca entenderá o valor do cérebro na velhice.

H.Reis

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Momento Virginia


''O preço barato do papel é a razão por que as mulheres começaram por ter êxito na literatura antes de o alcançarem noutras profissões.''
(Virginia Woolf) postado por H.Reis

domingo, 8 de agosto de 2010

A máquina que leva e traz

A padaria parecia ter sido a máquina do tempo, pois o casal que saiu dali só poderia ter vindo dos anos 70. Ele, com sua barba e cabelos grandes, blusa negra, magro como a Etiópia, óculos rayban e coturnos. Ela, com uma tatuagem de ombreira, o cabelo preso revoltoso no alto da cabeça, camiseta cinza, calça de ginástica e também os mesmos óculos dele. Se isso é ou não um estilo dos anos 70 eu não sei, mas foi oque me pareceu quando vi os dois.
Passaram debaixo da minha janela sem o menor compromisso com nada, como se estivessem sozinhos num Paraíso muito merecidamente. Riam, davam as mãos e depois as soltavam, como num gesto de esquecimento do outro. Deviam ser namorados, pois a harmonia que os atría remetia isso. Eu, que estava na janela, á toa, só a observar os transeuntes cinzas , olhei-os com certa ternura por passarem ali e deixarem tanta doçura e anos 70 na minha rua e nos meus olhos. Eles se foram do mesmo jeito que vieram, com a falta de compromisso e o esquecimento. E eu imaginei que nunca mais os veria por ali, pois seria muita concidência, não? Mas não foi isso que aconteceu, eles foram e meia hora depois (sim, eu ainda estava na janela) voltaram. Passaram pela rua como se nunca tivessem pisado ali, o tom de novidade era claro nas risadas e olhares. Seguiram o caminho, foram além da padaria e ali devia ser o lugar onde eles retornariam para a década de qual tinham vindo. Tenho certeza que foi ali, foi ali o lugar onde eles encontrariam o caminho de volta pra casa; os anos propícios para aquela doçura e liberdade não eram os meus anos, não era a minha geração. E eles se foram, foram ser felizes num lugar que não existe mais.

H.Reis

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

O sono que engana

''My Lady d'Arbanville, why do you sleep so still?
I'll wake you tomorrow
and you will be my fill, yes, you will be my fill.

My Lady d'Arbanville why does it grieve me so?
But your heart seems so silent.
Why do you breathe so low, why do you breathe so low.''

Cat Stevens- Lady D'Arbanville

Eu fiz roçar meus lábios no rosto dela e perguntei mais uma vez porque ela dormia tão imóvel. Ela continuou do mesmo jeito. Fui à cozinha preparar um café para levar-lhe à cama. Fiz de tudo, do mais variado. Levei cuidadosamente na bandeja. Chamei o nome dela bem de leve, bem baixo e suave para que ela não acordasse assustada, pois isso estragaria tudo.
Ela nem fez menção de acordar. Coloquei a bandeja em alguma superfície e fui à cama pra tentar acordá-la novamente. Sua respiração era tão baixa.
- Porque você dorme tão imóvel, querida? Porque respira tão baixo, quase sem me deixar sentir que suga, com suas narinas, o mesmo ar que eu? Isso é maldade. Deveria deixar-me ver seus movimentos inconscientes quando dorme; sua respiração profunda como um suspiro que leva a a alma num instante. Repito : isso é maldade.
Ela respondeu-me. Sim, mas sem nenhuma palavra.
Estava morta, respondeu-me com a morte.

H.Reis