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domingo, 31 de outubro de 2010

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Qué es el miedo? El miedo soy yo sin consciencia o duda. O sea, el miedo soy yo sin yo.

H.Reis

terça-feira, 26 de outubro de 2010

F de Consolação

Chico, Clarice, Caetano
Todos eles começam com C
Helena, com um simples mortal H
Um H que é ponte,
Que é vínculo,
Mas não tem som, fonema ou fama.

O que me consola um pouco é que Chico se chama Francisco.

H.Reis

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Segredo Escarlate [parte 1]

Da porta de vidro da entrada eu a via. Lá estava ela, deslumbrante como sempre, bem no centro da sala redonda com lustres antigos.
Seu vestido vermelho de alta costura combinava perfeitamente com seu caráter: provocante, mas delineado e preciso.

Do primeiro passo da porta não conseguia ver nitidamente seu rosto, mas sabia que não me decepcionaria. Chegando mais perto, com meus passos leves- pois temia que o encanto se fosse em um piscar de olhos - pude ir percebendo mais claramente a perfeição de sua tez branca e pura. Ela não havia corrompido seu rosto com uma maquiagem pesada. Só usava um batom também cor de sangue como o vestido. O intervalo entre o vestido e a boca era perfeito para que o vermelho não ficasse excessivo ou exagerado.

- Querido, como está elegante! Você realmente superou minhas expectativas!, ela falou com aquela voz delicada e fina e deu uma risada gostosa jogando a cabeça para trás.

- São seus olhos, meu amor. Se tem alguém aqui que está deslumbrante é você!, falei isso pegando sua mão direita e a fazendo girar no centro da sala redonda com lustres antigos.

- Oh-oh! Eu não disse que você está deslumbrante, disse que está elegante. É diferente; ela disse com um rosto sério, depois a face semblanteou ironia e ela riu de novo. Não se assuste, meu bem, estou mesmo um pouco fora de mim. Bebi um drink enquanto você não chegava.

- Ah, sim. Tudo bem, prefiro mesmo você assim, mais livre e divertida. Quando não bebe, você chega a ficar séria demais.

Ela não parece ter dado a mínima importância ao meu comentário e disse:

- Vamos ao jardim? James nos servirá algo gelado enquanto contemplamos o outro e as flores lá de fora.

- Claro.

O caminho da casa até o jardim era curto e ela ia na minha frente. Não ia fazer sala pra mim ou me fazer sentir uma visita, eu já previa.

Chegando ao jardim, avistei logo a mesa e as cadeiras de ferro pintadas de branco. Aquele cenário já fôra palco de muitas conversas e risadas. Sentamo-nos e esperamos James chagar com o ''algo gelado''. Enquanto esperávamos, Beatrice acendeu um cigarro e me ofereceu.

- Quer, querido? Você está precisando soltar umas baforadas de fumaça pra tirar esse peso da sua alma. Se não se descarregar, não vai aguentar por muito tempo. Vamos, pegue um.

Não ia retrucá-la. Não valia a pena. Os argumentos dela eram sempre mais fortes. Peguei o cigarro, acendi, mas não fumaria, deixaria ele se queimar por inteiro até que acabasse.
James chegou com os drinks na bandeja de prata que reluzia.

- Beatrice, pensei que era um chá gelado! Você sabe que eu não bebo, não fumo, não tenho vícios! James, por favor, leve de volta esse àlcool e me traga um chá, nem que seja de carqueja.

Beatrice riu mas não reagiu negativamente. Esperou James desaparecer e disse bem devagar e num tom desafiador:

- Não bebe, não fuma, não tem vícios, mas tem um segredo. E eu sei qual é. Desde o dia que me contou, Harry, tenho uma visão um pouco perversa de você. Nunca mais será o mesmo pra mim.
Por que fez isso, meu amor? Eu te amava um pouco mais antes.

Do drink que ela havia tomado antes de eu chegar não haviam mais resquícios, ela estava sóbria e lúcida. Falava a verdade. Eu já havia percebido seu afastamento de mim desde o dia que havia contado a ela meu segredo. Minha expressão foi ficando vermelha, sombria e enraivecida com a revelação do que antes era só uma observação minha. Eu não poderia suportar aquela indiferença, nem que fosse mínima ou reprimida.

Beatrice bebeu um gole do drink rosado. O líquido desceu pelo interior de seu pescoço fino e aquilo me chamou a atenção. Minha raiva era latente, pulsante e interminável. Sem pensar, levantei-me bruscamente da cadeira de ferro e fui com minhas mãos em direção ao pescoço de Beatrice. Ela não teve tempo de reagir.

Matei-a ali mesmo, no centro do jardim, perto do conjunto de ferro pintado de branco. Nos pés da cadeira que ela estava sentada há alguns minutos atrás, haviam gotas respingadas de sangue.

Depois de me dar conta do que havia feito, comecei a observá-la. O colo de seu seio estava molhado com o sangue fresco. Não havia mais o intervalo de pele branca entre o vestido e a boca. Tudo tinha cor escarlate. Os lábios vermelhos - que me diziam coisas loucas e ás vezes verdadeiras - estavam abertos fazendo com que o rosto demonstrasse uma expressão de consolo tardio. O corpo sem vida deitado no verde era sensual mesmo que sem pose premeditada. Beatrice nunca esteve tão linda.

Quando me levantei, cansado e aliviado, sentei-me na mesma cadeira de antes. Respirei fundo e observei a taça na qual ela havia encostado a boca minutos antes. A boca carnuda e maravilhosa. Tão presente e viva. Ela deixou a marca da boca desenhada no copo e o drink pela metade.

Foi melhor matá-la. Não suportaria ela sentindo a cada dia seu amor por mim se esvair mais. Não suportaria que ela me amasse menos que antes. Eu queria aquele amor completo e inteiro. Perfeito e intacto. Pelo menos agora ela não me amava nada e meu segredo estaria para sempre guardado e intocável em seu corpo cor de leite. Em seu corpo provocante, mas delineado e preciso assim como seu caráter que lhe custou o silêncio e a vida.

H.Reis

terça-feira, 19 de outubro de 2010

As sobremesas da vida

Pessoa mais caridosa que ela não existia. Mais meiga também não. Mais bonita se encontrava sim, mas ela não necessitava dessa beleza física, efêmera e tão visual. Era assim minha vó Amélia.
Sempre gostei mais de vovó Amélia do que vovó Dulce. A razão eu nunca soube. Acho que nossos anjos da guarda se davam melhor.

Os bolinhos de chuva feitos por ela sempre me aguardavam quentinhos em cima da mesa de madeira quando eu era criança. O avental preso nas costas dela nunca estavam impecáveis, ela sempre o molhava lavando a louça ou sujava de açúcar, aquele pra polvilhar os bolinhos. Seus abraços eram gostosos e ternos, e eu, que tinha a altura da cintura dela, quando a abraçava, fazia com que minhas bochechas encostassem no açúcar para que eu, depois, pudesse adoçar um pouco a língua.

Os almoços organizados por ela não podiam sair melhores. Era uma fartura, uma gostosura dessas que só a Sua Vó faz com que tudo dela tenha. Eu, mesmo que estivesse sentado ao lado de mamãe para almoçar, na hora da sobremesa corria pra cadeira ao lado de vovó e, enquanto comia qualquer um daqueles doces maravilhosos preparados por ela, ouvia suas histórias de quando era menina e fantasiava viver naquela época.
Meus domingos não podiam ser mais agradáveis.

Fui crescendo, vovó envelhecendo mas nunca perdendo a graça ou a ternura. Sua lucidez parecia intocável. O ritual de me sentar ao seu lado na hora da sobremesa continuou. As histórias mudaram, ela não me contava mais sobre sua infância. Contava agora sobre suas artes na adolescência e suas escolhas na fase adulta. Eu me deliciava do mesmo jeito. História de vó parece ter sempre um toque de magia. Nunca me pareceu que ela houvesse feito alguma coisa na vida da qual tivesse se arrependido ou percebido que foi mal ou errado. Ela era perfeita.

Certo dia, eu, já com 27 anos, sentado ao lado dela naquela nossa hora sagrada, a disse:

- Vovó, a senhora está sempre a me contar coisas boas que fez, que viveu. E as coisas ruins? E seus arrependimentos? Nunca praticou um ato falho?

- Meu querido, eu esperava que um dia me fizesse essa pergunta. Se não a fizesse, confesso, a julgaria um tonto. Mas te dou um conselho: ''nunca se deve praticar um ato que não possa ser narrado durante a sobremesa.''

H.Reis

sábado, 16 de outubro de 2010

O pior dos pesadelos

A vontade de fazer xixi era maior que qualquer coisa. O voo já tinha sido anunciado e sairia em torno de um minuto. Oque fazer se o banheiro era longe, as malas eram muitas e o tempo mínimo?
A solução mais simples nunca vem na cabeça de um desesperado, ele só consegue pensar no que vai dar errado.

Pensou, hesitou, olhou para o caminho do banheiro, voltou os olhos para as malas e franziu a testa em sinal de reprovação a tudo: ao suco de uva que bebeu demais em casa, ao banheiro complicado e ao seu exagero em trazer tantas roupas só para passar uma semana fora. Esse processo durou uns oito segundos, só tinha agora 52. Por um instante, que não era um, eram cinco, veio a solução mais óbvia(aquela mais simples) : usar o banheiro do avião.

- Mas é claro! Como eu não pensei nisso antes?

Pegou as malas de qualquer jeito e as saiu arrastando pelo longo caminho do aeroporto. A bolsa de ombro que levava quase caiu, o salto quase quebrou e a manga da blusa de frio tapava o relógio de pulso, mas ela não ligava, só se importava em chegar no avião, arrear a calça, sentar e fechar os olhos.

Faltando 30 segundos, segundo suas contas ( que não deveriam estar lá bem certas), ela avista a uns 25 metros uma fisionomia conhecida, daquelas que nunca se esquece (como o dono da padaria em que você, com cinco anos, comprava bala sempre que seu pai te dava 50 centavos ou a empregada legal da casa da sua amiguinha). Mas não era nenhum dos dois; seu Jaci já havia de ter morrido há muito e Jucicleide voltou para o Pará. Quando chegou mais perto viu que nunca havia visto aquela pessoa na vida. Aquilo deveria ter sido alucinação.

Entrou no avião. Nada mais poderia impedi-la de chegar ao banheiro agora. Os metros eram poucos, os centímetros ralos e o caminho livre. Deixou as malas em qualquer lugar e foi direto ao banheiro. Chegou lá como se tivesse passaporte para o paraíso, mas havia uma coisa: a fila não era pequena. Quer dizer, era, tinha duas pessoas, mas para quem está apertadíssimo, não existir ninguém no mundo que ameace a chance de ser fazer O xixi, é a melhor opção.
Só para piorar a situação, alguém, vindo de trás, tropeça e acaba por cair em cima de nossa protagonista, que depois disso não aguentou e soltou a bexiga, ali, no chão do avião mesmo.

Aquela posição de estar deitada, aquele molhadinho no pano, e aquela sensação de não saber onde está, fazia ela lembrar uma coisa bem familiar: xixi na cama.
É, o sono acabou, mas o aperto também.

H.Reis


quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Continue precisando

Um dia você não vai mais precisar chorar; não vai mais precisar fingir gostar de quem não gosta; não vai mais precisar dar bom dia ao caixa da padaria; não vai mais precisar parecer achar graça no idiota; não vai mais precisar obedecer ao seu superior; não vai mais precisar renunciar das suas coisas por causa de alguém; não vai mais precisar ouvir aquele seu amigo que insiste em reclamar da vida; não vai mais precisar dar conselhos a quem necessita; não vai mais precisar dormir pensando se seu filho está bem na rua; não vai mais colocar o lixo pra fora ou ouvir a buzina atrás de você no trânsito caótico; nem mais ver a inveja do infeliz; mas quando você não precisar mais de fazer tudo isso, você estará morto, pode ter certeza.

H.Reis

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Pequena (in)constante

Cruz e Sousa gostava de névoa;
Baudelaire, de prostitutas e mendigos;
Machado gostava de Helena;
Helena gosta de você.

Sabino gostava de Belo Horizonte;
Clarice, nem sei se da Ucrânia;
Páris gostava de Tróia de Helena;
Helena gosta de você.

Elis gostava de grito;
Caetano gostava de fantasias;
Chico gostava Pedro pedreiro;
Helena continua gostando de você.

H.Reis

domingo, 3 de outubro de 2010

Criança é fogo

Presente grego

Eduardo brincava na varanda com os primos que haviam acabado de chegar. Nós, os pais do pestinha, estávamos fazendo sala para minha cunhada e o marido e com os mesmos assuntos de sempre. Chatos e enfadonhos por sinal.

Minha cunhada, porém, veio com um assunto novo que me surpreendeu:

-Helena, esse quadro que demos a vocês de casamento mudou de lugar por que? Lembro-me que da última vez que estivemos aqui ele estava na parede azul da copa, perto da mesa.

-Ah, eu gaguejava tentando arrumar uma explicação, Eduardo, que... que rabiscou esta parede aqui, então colocamos o quadro em cima justamente para tapar o desenho.

-Ah, mas então temos que dar a vocês outro quadro para colocarem lá na parede azul da copa, por que sinceramente, falta uma decoração ali e esse quadro ficava mesmo melhor lá. Vou conversar com a mesma pintora que fez este aqui e ela fará outro, ainda mais bonito , para colocarem na copa, tá bom?

- Não, não precisa Juliana, por favor, fico até com vergonha.

-Ah, mas ia ficar tão bonito... Não diga não,é presente e pronto.

Fiz uma cara de falsa agradecida e olhei pra meu marido ,que, com o olhar, dizia pra eu não falar mais nada e aceitar logo o presente antes que sua irmã começasse a discutir, e nós sabíamos bem que ela era escandalosa.

As crianças enfim cansaram de brincar e vieram para dentro, estavam cansadas e ofegantes de correr e então Eduardo levou todo mundo pra tomar suco. Depois do suco tomado, coloquei Eduardo no meu colo e dei um beijo, precisava aproveitar a época em que ele ainda cabia no meu colo e que ainda não reclamava dos meus beijos em público,afinal, já estava com seis anos. Enquanto estava sentado ali em meus joelhos e mexia no meu cabelo, ele virou para trás, deu uma olhada desconfiada na parede, cerrou as sobrancelhas, voltou-se para mim e perguntou:

-Mamãe, por que toda vez que a tia Juliana vem aqui em casa você coloca esse quadro na parede?

Criança é fogo

H.Reis