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segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Gota de Limão News

Gente, tô com um blog novo!

Não tem nada a ver com esse, tô escrevendo sob um outro olhar.
Meu novo blog é o Crise aos 18! Em parceria com uma amiga, a Amanda!
Lá vocês encontram dicas de roupas, maquiagens, esmaltes e muito mais.
Ainda estamos começando, mas vai bombar!
Beijos pra vocês, minhas donzelas e cavalheiros queridos.

H.Reis

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Nossa casa, nossa cama, nosso presunto

Eram só ela e o gato. Viviam numa pobreza de encher os olhos e o coração de dó; na casa vazia de móveis, de pintura, herdada pela mãe dos dois. Sim eram irmãos. Haviam sido criados assim. Se tratavam e se amavam como tais. E assim em como toda relação de irmãos, havia brigas, picuinhas e picardias de um com o outro.

O Gato, por exemplo, quando era irritado pela Moça, fazia xixi atrás do sofá só para retrucar a irritação. Ela, por sua vez, ficava uns três dias atrás do lugar onde estava o mal cheiro; e durante esses dias de procura, eles não se falavam. Até que ela descobriu que a imaginação dele era limitada e ele só usava o mesmo lugar para fazer o tal xixi que a irritaria três dias depois.

O dia-a-dia era rotineiro. Ela trabalhava numa padaria que ficava bem longe de casa e enquanto ela trabalhava, ele tomava conta da casa dormindo. Ela chegava cansada, sentava logo no sofá que ele arranhava a toda hora e deixava que ele a tirasse os sapatos; e depois, lambesse seus pés como num banho de gato.
Os dois jantavam juntos sentados à mesa e depois iam dormir. Só havia uma cama. Também dormiam juntos.

Numa quinta feira cinzenta que nada havia de mais, a Moça foi elogiada pelo dono da padaria. Ele a disse que ela era muito dedicada, pontual e simpática com os fregueses. E que, por isso, a daria um pedaço inteiro de presunto de presente. A Moça só faltava pular de tanta alegria, mas nem sorrir mais que o normal ela podia, pois o patrão havia pedido segredo. Por que se algum outro  funcionário ficasse sabendo, poderia ficar chateado. Mas era claro pra ela e pra ele que o presunto dado não era só um presente pela boa conduta no trabalho. Ele tinha uma queda bem discreta pelas curvas da Moça. Isso todo mundo já tinha percebido.

A Moça chegou em casa como sempre cansada e nesse dia, com mais um peso na bolsa: o pedação de presunto plastificado. Não adiantava esconder. A coisa cheirava longe e chegando no bairro, todos os vizinhos deram um jeito de sair à porta ( os mais indiscretos) ou à janela para ver quem trazia a peça rara. Antes das lambidas rosas do Gatinho, o focinho dele foi fuçar outro lugar: a bolsa dela.
E foi inexplicável o que os olhos dele deixaram ver. Era uma alegria, mas uma alegria de gente. Ele já havia sim comido presunto, mas só uma vez quando a Moça o deixou na casa de uma tia rica para ir tratar de umas coisas num lugar longinho. O Gatinho lambeu-se todo, pulou alguns centímetros e começou a rasgar o plástico que envolvia o tesouro numa agitação que só. A Moça estava adorando observar a alegria dele, mas teve que parar para ir proteger o presunto, ou ele acabava aquela hora mesmo no estômago do irmão.

A Moça, mesmo morrendo de vontade de comer o trazido, deixou para apreciá-lo pela manhã; onde o sol também apreciaria o banquete. Se eu disser aqui que os dois irmãos nem conseguiram dormir direito por causa de ansiedade, vai parecer mentira. Mas quem sou eu para inventar coisas? Só conto o ocorrido e pronto. Dou, no máximo, uma pitada de humor nas histórias que me atrevo a narrar. Mas esse fato engraçado é inerente da história.
Ela custou mesmo a pegar no sono, e quando conseguiu, sonhou que conversava com o pedaço de carne rosa e o dizia que mesmo ele sendo tão bonitinho e lustrado, ela o comeria sem dó. O sonho do Gato já foi mais ousado: sonhava que o pedaço de presunto tinha pernas que só serviam para correr dele, se cansar e depois se render ao Gatinho deixando-se ser despedaçado.

A manhã do dia chegou e a primeira coisa a ser feita foi fatiar o pedaço de presunto. Ela,coitada, sem muito jeito, cortou fatias grossas, finas e até machucou o dedo com a faça. Separou única a travessa de louça que tinha, que ficava na mesa da sala( era o único enfeite da casa), lavou-a e espalhou ali o pedaço de carne cor-de-rosa recém fatiado. Sentaram-se os dois á mesa como sempre, e ficaram um olhando nos olhos do outro. As bocas, já cheias de água pela vontade, passavam a responsabilidade para os olhos; que ficavam agora como os de crocodilo ao ver algo apetitoso. Cheios d'água.

Comeram sem saber comer. Ela se preocupou em não deixarem-se comer tudo, pois queria sentir daquele prazer outra vez; quem sabe à noite ou no outro dia. Mas a hora havia passado. Ela olhou o relógio e já havia se atrasado 15 minutos. Foram os 15 minutos em que ela comeu sem saber comer e sem lembrar que o tempo existia, ou era marcado pelo relógio. A Moça correu até a porta com a bolsa no ombro e nem lembrou-se de trancar a fechadura, devido ao desespero que a pegou. Como chegaria no trabalho tendo sido presenteada em segredo pelo patrão pela boa conduta? Não conseguiria. Foi isso o que pensou, mas iria mesmo assim. Seria despedida se preciso fosse, mas não se ia se render aos 15 minutos perdidos.

Chegando no ponto onde passava a condução, a Moça lembrou-se , para a sua infelicidade, que havia se esquecido de guardar o restante do presunto. Desesperou-se mais. Ficou no empasse: Ir para o trabalho assim mesmo, ou deixar o Gato comer tudo? Não, não podia. Mesmo tendo um amor enorme pelo irmão que a mãe deixara, o presunto era presente seu, ganhado com seu esforço(e suas curvas) pelo patrão na padaria.

A Moça, indignada com sua displicência dupla, voltou pra casa. Abriu a porta que havia esquecido de trancar, e foi direto para a mesa da cozinha onde havia deixado seus dois tesouros: o Gato e o fatiado cor-de-rosa. Só um deles estava lá. Em cima da mesa como ela havia deixado: O Presunto. E o Gato? Ah, o Gato. Estava ele lá, deitado no lugar de sempre, com um olhar de satisfeito E mais: com um olhar que dizia á Moça: ''Somos irmaõzinhos.Eu nunca comeria esse presunto sem você.''.

domingo, 18 de setembro de 2011

Sábado à tardinha

Num sábado à tardinha a gente fica com vontades..

Se quer ter um gato
E também um cachorro.

(Se quer poder começar frases com pronomes.
Saiba: agora é uma tardinha de sábado.)

Se quer mais...se quer um amor
Um amor pra ir dormir, pra ver acordar
Pra ver a beleza e compartilhar as feiuras invisíveis
(Pois quando se está amando as coisas feias desaparecem)

Se quer ser escritor
Inventar uma história ou contar a sua
Se quer personagens pra brincar

Num sábado á tardinha
Quer poder se tocar, coçar
Quer ver o tempo parar
Mas é aí que se acorda.
Pois o tempo não pára.

O tempo vai junto com a vontade e a tardinha do sábado caprichoso.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Mulher

No silêncio da mulher amada existe o ódio latente.
O ódio de não ter sido amada antes;
Do medo do amor não continuado...
Concluído.

Na preocupação da mulher mãe
Há o choro dela,
Ela criança, ela bebê...
Que quer ser cuidado, amamentado
Mas que foi esquecido por um só  momento,
Cresceu e virou progenitora

A mulher meretiz tem as pernas que se abrem quentes...
pulsantes, roliças.
Mas estão gastas.
Nunca mais puras, nunca mais intactas pelas mãos do mundo.
E a meretriz ignora a poesia de seu corpo; a poesia de seu ato
E o faz repetir vezes por dia, sem sentimento...
Ela não sabe o quanto é poética, o quanto é essencial para a percepção do belo.

És tu, Mulher, tudo isso.

Uma amada mãe meretriz
que traz o mundo nas pernas
e no coração o sentimento da humanidade
que merece cuidado
mas que chora o mesmo pranto desde seu nascimento.

H.Reis

sábado, 13 de agosto de 2011

Tão simples

É que é a é vida tão simples

Como colocar os óculos e senti-los encaixar no óleo das têmporas;

Como ver um cachorro coçar sua orelha esquerda e depois olhar pra baixo, pro chão.


O que a complica são outras coisas;

Como os óculos, mesmo na oleosidade macia dos lados, não encaixarem nas tais têmporas

Ou como quando o cachorro, ao olhar pra baixo, vê que da orelha que coçou há pouco, caiu uma pulga espertalhona

Aí as coisas complicam.

Pois agora os óculos entram forçados

E a pulga tem que morrer e o cachorro se cansar.


A morte é tipo isso.

 A complicação, a decepção e o fim das coisas simples.

H.Reis

quarta-feira, 13 de julho de 2011

O preço do tempo

Três meninos passam com três pipas na mão
Três pipas? Três sonhos? Não.

As pipas que vão ao céu levam junto os sonhos do meninos
Sonhos bobos amarrados nas rabiolas coloridas
Sonhos que ficam grandes e magníficos ao encontrarem a imensidão

Imensidão nem imaginada na cabeça dos três meninos ou das três pipas.

E daqui há alguns anos? Sabe-se lá onde estarão os meninos, onde estarão as pipas.
Daqui há alguns anos os meninos hão de ter crescido, hão de ter largado as pipas.

E quando passarem, atrasados para o seu serviço, e verem cair, ao seu lado, uma pipa de criança
Os meninos, hoje homens, vêem ali seus sonhos caídos.
Seus sonhos que um dia alcançaram a imensidão do céu da infância
Mas que agora não alcançam nem a sua altura.

H.Reis

domingo, 10 de julho de 2011

Quem?

Se você tem um chapéu, um cigarro e um copo
Se você tem uma casa, um chão de terra e muito amor pra dar
Se você tem a si mesmo, tem a cidade, tem o pó que o carro levanta ao passar devagar

Se você tem olhos claros, negros, ou indecisos
Se você tem olhos quaisquer para ver minha beleza inexistente

Se você tem nariz grande, fino ou indeciso
Se você tem um nariz qualquer para sentir meu corpo-cheiro

Se você tem lábios grossos, retos ou divididos
Se você tem lábios e língua pra dizer que me ama.

Se você é esse alguém...
Não tenha dúvidas.
É com você que eu vou ser feliz pra sempre.

H.Reis

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Imposição

E se seu nome todavia não regesse toda a minha vida,

Eu o inventaria

                                        Eu o faria importante

                                                                                                                                             Eu o faria infinito.

E fim.

H.Reis

terça-feira, 28 de junho de 2011

Poesia Involuntária

A menina escreveu um poema com a naturalidade em que se coça a sola do pé.
A sola do pé virou poema,
E a menina, poetisa.

H.Reis

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Poema-Perdição

Inspiro-me,
                                                             distraio-me,
e por isso

não escrevo.
E perco o poema.


Inspiro,
                                                                   expiro,
respiro.

Nem que quisesse perderia a respiração.

Quem sabe talvez se a prendesse, assim como não posso fazer com minha inspiração poética.
Quem sabe assim eu a perdesse.
Mas se prendesse a respiração, mataria-me.
E então seria eu uma mulher morta ou uma poetisa?


Nada disso.
Seria eu uma inspiração para uns próximos poetas.

H.Reis

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Desabafo de uma Louca

Tenho vícios fracos, não sou concisa e como poderia, desse modo, ser equilibrada?Em minha prolixidade os sentimentos encaixam-se na bagunça e excesso de palavras.

Se te amo, amo por excesso, nunca por falta ou perda de um pedaço do meu sentimento, pois eu sei exatamente onde ele se encontra.

H.Reis

O Sofá Amarelo

Titia Eulália não saía daquele estofado amarelo desbotado e se perguntada o por que, a velha dizia sempre na mesma irritação:
- Foi presente de papai no dia de meu casamento. Não me desfaço dele! Tem valor sentimental.
E todos aceitavam, achavam ser mais uma daquelas manias de gente da idade de titia Eulália. Não tenho certeza, mas devia ter ela lá pros seus 78 anos.
Havia tido uma vida sofrida, perdeu dois filhos ainda no ventre, o marido fugiu com a vizinha para depois voltar com uma mão na frente outra atrás exigindo abrigo de pronto; e ela, como muito apaixonada que era por Tio Eustáquio, perdoou-o e o acolheu imadiatamente. E recentemente sua casa havia sido levada por uma enchente devastadora que quase a matou; mas acabou matando, decisivamente, Vênus, seu cachorrinho adestrado.
Nunca havia sido bonita. A verruga que trazia no pescoço desde que nascera a enfeiara para sempre. Era uma sina eterna, já que ela tinha aversão à dor e nunca se dispôs a ir ao médico tentar tirar aquela coisa. Chegou uma vez, no auge de uma bebedeira, dizer que era seu charme e que titio adorava. E foi naquele dia que tive pra mim que ele a havia deixado exatamente por aquele pedaço de pele morta e negra incrustada em seu cangote.
Os filhos eram um desgosto só. Maria João foi ser mulher da vida na capital, que lá era mais comum. Dois meses depois, titia recebia uma carta do cafetão da menina dizendo que ela havia pegado doença de mundo, caído de cama três dias e falecido logo em diante. João Maria, o outro filho, era o único em que ela depositava esperança, mas foi só ele se apaixonar por Elvira para sumir com ela Rio de Janeiro abaixo. Notícias dele nunca mais.
E titio Eustáquio descobriu um câncer de fígado, coisa já esperada, pois o velho sempre havia bebido todas e mais algumas. Morreu, sem ter parado de beber sequer um dia, um ano e seis meses depois da descoberta fatal.
Enfim, Titia Eulália ficou só e veio morar aqui em casa. Éramos os únicos da família aqui no Rio, e mamãe, sempre muito hospitaleira, acabou acolhendo-a sem pensar duas vezes.
Chegou aqui sem mala, nécessaire ou coisa do tipo. Só vinha com um negrinho forte atrás dela que trazia nas costas o velho sofá amarelo ‘’ que foi presente de seu pai e ela não desfaz por nada, tem valor sentimental.’’
Já fazia sete meses que estava aqui, ou melhor dizendo, naquele sofá amarelo. Não fez questão de ter uma cama, disse que só queria dormir naquele sofá.
Tomava banhos rapidíssimos, quase não usava o banheiro e quando escovava os dentes era no quarto onde ficava seu sofá. Não tirava o olho daquilo.
Todo mundo já estava estranhando aquilo, mas ninguém questionava ou incomodava com aquela esquisitice.
Veio então o dia em que titia Eulália teve um ataque de febre fulminante, não conseguia nem andar e então tivemos que chamar o médico.
Doutor Oliveira não nos deu esperança, disse que ‘’essa senhora está morrendo de velhice. Só os resta esperar’’.
Mamãe foi logo poupando os gastos para pagar o caixão da velha.
Até que duas semanas depois, nossa titia empacotou-se.
O velório teve de ser em seu quarto, já que ela havia implorado que só queria sair do sofá para ir direto pra debaixo da terra e se pudesse queria ser enterrada com tal o objeto de adoração.
A casa encheu-se de parentes, vizinhos e amigos lá de onde titia morava. Velhas chatas e inconvenientes brotaram lá em casa para dar o último adeus. Até que uma veio conversar comigo, vendo que eu não estava triste o bastante para ser sobrinho da defunta.
-Você não vai sentir falta de sua tia? Não parece triste.
-Ah, vou. Mas confesso que pouca. Titia passava a maior parte do tempo deitada ou sentada nesse sofá desbotado. Alisava, limpava, conversava e até beijava o pobre.
A amiga da falecida comoveu-se:
- Verdade mesmo? Fico tão feliz que Eulalinha (as velhas amigas a chamavam assim) tenha gostado desse sofá que lhe dei. Eu não dei zero bala, até por que não tinha condições, mas foi de coração. Não sabia que ela havia pegado tanto apreço nesse sofá.
Eu estranhei:
-A senhora foi quem deu esse sofá pra titia? Mas ela vivia dizendo que foi presente do pai dela, de casamento, que tinha valor sentimental.
-Ah, sua tia já não estava boa dos miolos quando veio pra cá. Fui eu quem deu pra ela de presente quando a enchente levou a casa dela.
Não discuti, se levasse a conversa pra frente insistindo que o sofá havia sido presente de vovô, a velha senhora poderia ficar ofendida, pensando que eu a julgava louca.
O velório seguiu a madrugada, o enterro foi pela manhã no cemitério municipal e eu resolvi não ir. Ficaria em casa para desvendar o ‘’mistério do sofá amarelo’’.
Logo depois de todos saírem, fui direto para o quarto que agora não tinha mais dono. Cheguei perto do estofado que fedia a gente morta há poucas horas(se é que existe esse cheiro) e o toquei com nojo. Observei durante alguns longos minutos o objeto em minha frente e não percebi nada de diferente. Fui, frustrado, esperar todos voltarem do cemitério.
Mamãe, exausta, chegou em casa e foi direto para o ex quarto de titia. Abriu as cortinas, levantou a cadeira da escrivaninha e soprou o pó do canto da janela.
Cansada, sentou-se, sem maldade, no sofá da defunta e sentiu, na nádega esquerda, uma espetada profunda. Chamou papai que, sentando em outra parte do móvel, espetou a nádega direita.
Estranharam, fecharam a testa num ato de espanto e tiveram a ideia de destruir o sofá para descobrir o que tinha ali dentro que espetou as duas bundas naquela brusca profundidade.
Assisti à destruição. Aquilo sim me pareceu o enterro de titia Eulália, pois estavam dando cabo na coisa única coisa que ela tinha e que mais adorava na vida.
Depois de muita espuma barata ter sujado o chão do quarto, papai tirou de lá de dentro, numa surpresa unânime, um diamante enorme, lapidado, com uma ponta fina que parecia até ferramenta de tortura da Santa Inquisição. Absurdado e sem dizer palavra, papai continua a ‘’cavar’’ o sofá e encontra ali mais uma pedra idêntica no tipo, mas um pouco menor.
Havíamos então descoberto o por que do apego de titia Eulália pelo sofá feio e desbotado: o amor dela pela fortuna oculta amortecia as espetadas dos diamantes lapidados em suas nádegas murchas.
H.Reis

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Momento Graciliano

Heloisa e Graciliano Ramos


''Dizes que brevemente serás a metade de minha alma. A metade? Brevemente? Não: já agora és, não a metade, mas toda. Dou-te a minha alma inteira, deixe-me apenas uma pequena parte para que eu possa existir por algum tempo e adorar-te.''

(Cartas de Amor a Heloisa - Graciliano Ramos)

sábado, 4 de junho de 2011

Imersão

E depois que bebeu,
na única taça que tinha,
seu vinho caro,
velho
e quase doce,
o poeta entrou em devaneios.

Riu da mulher que viu morrer no meio-fio.

Tripudiou em cima do marido traído.

Sentou-se à escrivaninha de jacarandá
e percebeu que a única coisa que sabia
era escrever.

''- Viver a vida é coisa muito difícil''

E começou um novo poema.

H.Reis

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Momento João Cabral


Difícil Ser Funcionário

Difícil ser funcionário
Nesta segunda-feira.
Eu te telefono, Carlos
Pedindo conselho.

Não é lá fora o dia
Que me deixa assim,
Cinemas, avenidas,
E outros não-fazeres.

É a dor das coisas,
O luto desta mesa;
É o regimento proibindo
Assovios, versos, flores.

Eu nunca suspeitara
Tanta roupa preta;
Tão pouco essas palavras —
Funcionárias, sem amor.

Carlos, há uma máquina
Que nunca escreve cartas;
Há uma garrafa de tinta
Que nunca bebeu álcool.

E os arquivos, Carlos,
As caixas de papéis:
Túmulos para todos
Os tamanhos de meu corpo.

Não me sinto correto
De gravata de cor,
E na cabeça uma moça
Em forma de lembrança

Não encontro a palavra
Que diga a esses móveis.
Se os pudesse encarar...
Fazer seu nojo meu...

Carlos, dessa náusea
Como colher a flor?
Eu te telefono, Carlos,
Pedindo conselho.

(João Cabral de Melo Neto influenciado por Carlos Drummond de Andrade)

Postado por H.Reis

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Felicidade

Cidade pequena é assim.
Solta pipa, compra pipoca, vê menino correr perigo.
Carro vem, carroça chega e se encontram na esquina.
O dono do carro diz:
‘’Ô, sangue bão!’’
O carroceiro responde:
‘’Ô, meu irmãozinho!’’
E seguem a vida em frente na estreita estradinha.

Pé no chão, nas pedras da rua principal,
E o menino corre de baixo a cima, de cima a baixo;
Vendo sua pipa cair,
Vendo a menina bonita passar,
E a vida passar junto com ela.
E assim já perdeu a pipa,
Mas a menina continua lá,
E a vida mais viva ainda está
Na cabeça e no coração do menino.

A menina bonita que passa
Sente o vento lamber os cabelos
E as pernas que o pai não deixa mostrar.
Mas as pernas são exteriores;
Sentem as delicias das ruas,
Mesmo que dentro das saias.
- "Papai não sabe de nada!"

A dona de casa saiu da feira,
E vai passar na costureira
Pra encomendar vestido pra filha mais velha que vai se casar.
A dona de casa vai fazer a festa
Feijoada, torresmo, doce de leite
E pra beber? Cachaça ardidinha que não há melhor
Pra festejar? Não o casamento
Casamento é pretexto.

Vamos festejar o carro, a carroça
O menino, a pipa
Vamos festejar a menina, as pernas, as saias
A dona de casa e seu amor pelo amor
Vamos festejar a vida que sopra no coração
dessa cidade pequena.

H.Reis

domingo, 8 de maio de 2011

Momento Adélia


Impressionista

Uma ocasião,
meu pai pintou a casa toda
de alaranjado brilhante.
Por muito tempo moramos numa casa,
como ele mesmo dizia,
constantemente amanhecendo.

(Adélia Prado)

sábado, 30 de abril de 2011

Tudo joia?

Tenho reparado já há algum tempo (e posso assim até dizer que ando fazendo uma pesquisa e que guardo os dados dela na cabeça) a falta de respostas em que o mundo hoje se encontra. Desde as coisas mais banais até as mais sérias e arbitrárias possíveis.

Tive esse estalo outro dia ao estar dentro de um ônibus fazendo uma pequena viagem, coisa que faço quase toda semana, ao ir passear em minha cidade natal.
O ônibus estava cheio, eu estava em pé e também a maioria do passageiros.

Entrou então um rapaz lá pros seus 29 anos, mas isso não importa. Entrou, quietou-se em pé num lugar e começou a conversar com algum conhecido que já estava sentado por ali. Logo depois entra uma moça, até bonita, com uns olhos claros e o cabelo castanho, mas isso também não faz a mínima diferença, só gosto de caracterizar os participantes para fazer dessa leitura uma coisa mais imaginativa ou divertida. A moça, enquanto pagava sua passagem, reconheceu o tal rapaz de 29 anos, sorriu pra ele e perguntou :

- Tudo joia?

Ele, ao invés de respondê-la fez a mesma pergunta, só que do seu jeito mais malandro:

-Beleza?

E ficou assim! Ela não respondeu, ele não respondeu. E se nenhum dos dois estiver ''joia'' ou ''beleza''? Como fica? O que se faz? Mas isso também não satisfaz a minha pergunta, por que se os dois tivessem respondido à perguntas, respectivamente, as respostas seriam as mesmas:

- ''Tudo bem sim.''

- '' Tô Tranquilo.''

Mas eu duvido que esteja tudo assim ás mil maravilhas. Assim como não está nesse nosso planeta. Faz-se perguntas a todo momento: ''Por que as torres gêmeas foram implodidas?''
''Por que aquele menino entrou na escola que estudava e matou 13 crianças?'' E então vêm-se as respostas mais absurdas, que não respondem nem justificam tais atos.

Sei que chega a ser quase ridículo comparar a falta de resposta para esses fatos com a falta de resposta para um ''tudo joia?'', mas fez-me formular a teoria de que é um mero reflexo. As pessoas desistem de responder, pois elas também não tem respostas para as coisas mais questionáveis e que realmente precisam ser esclarecidas.
Uma vez, ao conversar sobre um pouco disso com um colega distante mas querido, ele disse:

''-Criatividade e Rotina são palavras antagônicas, deixa pra lá. É assim que funciona: respostas previsíveis pra perguntas da mesma laia. Na inevitável pergunta "tudo bem?", é muito mais fácil dizer que está tudo ótimo do que dissertar sobre as peculiaridades da alma, do momento e da puta que o pariu em crise existencial. Por trás dos "tudo ótimo", há sempre uma pequena fração de sutilezas a serem consideradas. Enfim, falei demais. ''

Enfim, pensei demais. Mas eu realmente espero que esteja tudo bem pelo menos para aquele casal do ônibus.

H.Reis

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Momento Quintana

Livros não mudam o mundo, quem muda o mundo são as pessoas. Os livros só mudam as pessoas.

(Mário Quintana)

terça-feira, 26 de abril de 2011

#6

Os ossos de seu magro pescoço me engolem sem ajuda umidificante; nosso amor é seco.

H.Reis

terça-feira, 19 de abril de 2011

Com todo respeito, Manuel Bandeira


É quem escreve versos livres
Rimas ricas mas não aparentes.
É quem não liga pra falta de eira ou beira
É Bandeira.


É quem não gostaria que eu rimasse seu nome
E é por isso que a partir daqui serei como ele
Livre, leve, solta, veloz ou devagar...
Imitando Bandeira.


Cidades reais ou imaginárias
São por ele (re)criadas e contadas
Com a maestria de um Deus da geografia poética
Com a sensibilidade de um Deus da poesia geográfica do coração.
É Bandeira.


É quem faz versos como quem morre, como quem vive, chora ou sorri.
E se uma lágrima cair e borrar a caneta? E daí?
Será ainda a mais autêntica e original poesia
De Bandeira


É quem me encanta, me canta, me acorda e até me faz dormir
E nas letras de sua poesia faz subir ao céu e brilhar pra mim a Estrela da Manhã
Que virá a se abaixar só em Pasárgada
Com Bandeira
(como Bandeira)


É que brilha no céu do meu olhar, Poeta Favorito
E como se me conhecesse há séculos
Descreve-me sempre e revela a todos os meus segredos em massa
Mas tudo bem, não me importo
Tens comigo carta branca,
Pois és simplesmente meu Poeta Favorito novamente,
Imortal e Querido Bandeira.


H.Reis em simples homenagem aos 125 anos que Manuel Bandeira estaria fazendo hoje.

sábado, 16 de abril de 2011

Ode à ''Não Ida à España''

Ó, España querida, não me verás por agora,
Pois te perdi pra um poema.


Ó, Reis Católicos, não visitarei seus túmulos ou mausoléus nesses tempos,
Perdi-os pra um poema.


Ó , Plaza España, não respirarei teu ar da manhã ou da tarde
E nem a noite me acolherá, pois a perdi pra um poema.


''Mis desayunos''* serão por aqui mesmo.
''Galletas?''** Nem pensar! Foram comidas por um outro poema.


Granada e sua Alhambra imortal não me verão entrar por suas portas triunfais.
Pois um poema entrou antes e fechou-as pra mim.


Fiquei do lado de fora, do lado de fora de mim, do lado de fora de España.
España que agora tenho nas mãos, España que agora pra mim é esse poema.

E só.


H.Reis



*Mis desayunos : Meus desjejuns
** Galletas : Biscoitos

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Sonho Ladrão

Perdi um poema. Tive uma inspiração na hora de dormir.
Hora de dormir é hora de dormir, o poema que durma junto se quiser.

A inspiração vazou pelos poros dos meus sonhos e foi se alojar no inconsciente.
Inconsciente que não consigo mais alcançar.

E então, pra não perder o papel, o fio da meada e o poema, escrevo esse sobre a inspiração perdida pro sonho.

Sonho ladrão de poemas, sonho ladrão de almas.
Sonho que me inspira a escrever poemas pra perdê-los novamente.
Sonho, não sei que juízo fazer de ti.

H.Reis

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Simultaneidade de Bandeira Oculta

Era começo de namoro. Ano de 1968, sabe como é. Gente discreta e recatada. Sabiam pouco um do outro.
Os dois liam Manuel Bandeira, o poeta morto naquele ano. Nenhum dos dois tinha ideia da leitura do outro. Então, no dia em que ele sentiu uma intimidade maior, disse:

-Você não é Antônia, mas parece uma lagarta listrada.

Ele não esperava que ela entendesse, respondesse ou desse importância. Mas ela surpreendeu:

- Uma lagarta listrada que usa o sabonete Araxá.

E então os dois deram as mãos e saíram em passos leves pela Rua da Constituição, onde Misael havia matado Maria Elvira (que vestia um organdi azul) com seis tiros.

H.Reis

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Ambiguidade Clássica

São sete as artes.
São sete os pecados.
Logo, arte é pecado ou pecado é arte?

Vejo um poema jogado em cima da cama.
Cansado, ofegante.
Luxurioso poema.

H.Reis

quarta-feira, 30 de março de 2011

Momento Bandeira

Poema de Finados

Amanhã que é dia dos mortos
Vai ao cemitério. Vai
E procura entre as sepulturas
A sepultura de meu pai.


Leva três rosas bem bonitas.
Ajoelha e reza uma oração.
Não pelo pai, mas pelo filho:
O filho tem mais precisão.


O que resta de mim na vida
É a amargura do que sofri.
Pois nada quero, nada espero.
E em verdade estou morto ali.

(Manuel Bandeira)

domingo, 27 de março de 2011

Loucura Antropofágica.

Eu não publicarei livros.
Nunca.
Eu não publicarei ''centelhas a iluminar imaginação '' de ninguém.

Eu vou digerir Bandeira, vou comer inteira a obra de Drummond.
Eu sou antropofágica.
Eu não presto, não viro do avesso, não caibo em palavras ou em símbolos e pontos.

Eu vou é viver a vida.
Vou publicar minha vida e viver só dentro dela.
Sou o puro Surrealismo.

H.Reis

sexta-feira, 18 de março de 2011

Eu Faísca

Eu sou morena,
Eu sou menina,
Sou quase mulher.

Eu sou dos olhos
Sou da boca,
Sou carvão.

Deixo marcas de lábios, pele,
Luar, vida, meia-morte, solidão.

Minha caneta é mais fraca,
E por isso não exprime
O desejo e a força
Que me meu carvão em ti imprimiria.

Moro em ti, habito em nós.
Há espaço pra minha boca, pro meu carvão
E pros meus olhos sagazes.

Que te deixam encabulado só de encará-los.

H.Reis

terça-feira, 15 de março de 2011

De Henrique Vaz

Helena menina
Helena morena
Helena mulher

Helena rima
Helena poema
Helena me quer?

(De Henrique Vaz para Helena Reis)

domingo, 13 de março de 2011

Revolução

Produzo poemas em minha cabeça
assim como tecidos em teares na Revolução Industrial
É rápido, veloz, inacreditável, esquecível.

A poesia, matéria prima de meu ''tecido'', é viva
é voz, é pulo, é pão.
Sustenta-me o tempo todo,
sustenta o ar e o coração.

Meus teares(meus neurônios) não se cansam,
não estragam, mas envelhecem aos poucos.
Aproveito-me dessa velhice, dessa experiência que eu não peço.
A dor, a tristeza e as profundas sensações vêm junto.

Meus poemas não exploram ninguém,
não matam crianças, não cansam as mães, não roubam os pais.
Só vivem no mundo, na esperança de serem lidos, vividos
odiados, amados, copiados...

Meus poemas viram gente.
Tem sentimento puro e razão.
É gente rápida, é gente veloz
É gente que mexe na História,
É gente inacreditável,
É gente inesquecível.

H.Reis

terça-feira, 1 de março de 2011

Beijo guardado

Tenho aqui do lado de minha casa vizinhos barulhentos. Vizinhos barulhentos que reproduziram filhos barulhentos. Filhos tais que vêem para debaixo da minha janela brincar de esconde-esconde à noite. Sempre achei essa brincadeira à essa hora muito estranha - minha mãe mesmo, quando eu era criança, não me deixava brincar disso nesse horário, dizia ser ''muito perigoso''.

Até que nesse domingo passado à noitinha estava eu a vagar pela casa, sem nada pra fazer ou pra ver e então resolvi admirar minha paisagem da janela. Não que seja grande coisa - um prédio pra lá, outro pra cá e umas árvores incrustadas nesse meio- pra não poderem dizer que não há verde por aqui. Debrucei os braços no parapeito incômodo da janela e depois de mirar alguns minutos minha paisagem individual, comecei a ouvir uns sussurros.
Custei para conseguir identificar de quem eram aqueles barulhinhos que vinham de debaixo do meu parapeito.
Prestei bem atenção. Eram o resultado da reprodução dos vizinhos barulhentos, mas pareciam que ali se encontravam em versão discreta 2.0.
Parecia ter ali três pré-adolescentes, pois contavam a idade um para o outro:

-Eu tenho 11 e você, Gustavo?
-Eu também, respondia Gustavo.
Gabi, sem ninguém perguntar, disse ter dez.

Gustavo, depois de um momento de hesitação ansiosa e nervosa, perguntou a Emanuele:

- Cê já beijou na boca?

Emanuele, dando uma de boa samaritana, desviou o assunto:

- Minha mãe disse que me deixa namorar em casa só depois dos 12. Falta menos de um ano, deu um riso assanhado e prosseguiu: mas enquanto isso eu beijo no cinema.

Gustavo abriu bem os olhos, e depois voltou ao normal. Não podia dar bandeira, Emanuele nunca poderia saber que ele não havia ainda beijado, muito menos no escuro de um cinema.
Depois de ouvir estupefata a revelação de Emanuele, Gabi percebeu que estava sobrando ali; agarrou sua boneca de pano e desistiu de brincar de esconde-esconde naquele espaço, com aquelas companhias.

Emanuele, menina faceira e bem atrevida, tinha olhinhos pretos que nem a noite. Olhou Gustavo com ternura, tentando quase que seduzi-lo. Gustavo não precisava mais de sedução. Só de saber que a menina já tinha beijado, ainda por cima no cinema, ele já estava encantado. Encantado mais pela precocidade dela do que por qualquer outra coisa.
Depois que ela percebeu que seu olhar raro não havia provocado no menino nenhuma reação distinta, Emanuele partiu pro ataque:

- Quer ir no cinema comigo?

Gustavo nem pronunciava palavra. Não havia meios. Pegou na mão de Emanuele, chegou o rosto perto do dela e quase encostaram os lábios. Mas não. Gustavo se conteve. Estava guardando o primeiro beijo pro escuro do cinema.
O ''pega'' da brincadeira já havia desistido de procurá-los depois de ouvir de Gabi:

- Eles tão ali atrás daquela árvore, mas não vai lá não!!!

Agora eu entendi por que mamãe nunca me deixou brincar de esconde-esconde num escurinho, nem que fosse da noite e não do cinema.

H.Reis

Tu e eu em pensamento

Será que aos olhos alheios sou o que sou aos olhos meus?
Será que sou o que quero ser ao me expor ao olhar teu?

E será que danço - e meu corpo é o mesmo
Será que balanço ao cair no solo quente?

E será que minha feição é a mesma,
Será que não me desfaço ao abrir meus poros a ti?

E minha pele? Mantem a mesma frescura de quando estou sozinha a pensar em ti?
A me tocar pensando em ti... E suar ao lembrar de ti?

Não sei , não quero mais saber

Acho que sou mais bonita e amada somente ao me imaginar pra ti.

H.Reis

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Morena dos olhos.

''À minha querida companheira de poemas e contos incansáveis, de fracassos reconciliáveis, de histórias inacabadas, de romances planejados, de capas arquitetadas, de críticas condenáveis e de uma sinceridade completamente pessoal.''

Vinícius Reis


A cada palavra, morena,
Tu floresces,
Aspirante, e emerges,

Bailas nas trevas bronzeadas
Da própria pele,
Invocando meretrizes,
Outrora, velhas virgens,
Proclamando a história do campo,
Sofrendo por Sabará.

Menina doida que só
Pelo menino da rua ao lado,
Pelo pião que tens guardado,
Pelas cartas que tens te feito chorar,
Pelos versos que vos faz chorar
Por todas as mulheres que tens que guardar...

Ah, morena!
Podes saltar, rodar,
E perder as pedras dos teus vestidos.

Derrubes ao sabor doce da tua boca
As gotas ácidas do teu pensar.

Foste uma boa mãe,
Não tão boa esposa,
Porque não quiseste casar
À moda do povo

E acendeste o alarido,
Das velhas loucas fofoqueiras.
Das cidades de pedra
Das panelas de barro,
Tudo dentro de ti,


Como um velho cheio de anedotas,
Morena, brincaste contigo
Perdida no mundo das palavras,

Mas de um único poema.

Insistes em escorregar
Entre dedos já doídos.
Já cansaste os olhos, morena,
Porque tu trocas de pele,
Trocas de bronze,

Dos rituais clássicos,
Às interpretações mais modernas,
Das geringonças mais loucas
A mais alta tecnologia

Capaz de encolher gente
De fazer torta de limão
Usando apenas papel, caneta e solidão.

Perguntais do que gosta, morena.
Aposto no choro da criança,
Que vem de dentro de ti,
Das tuas asas de papel,

Do teu bailar no carrossel
De como sobes até o céu
De como santificas o sangue de prostitutas
Que corre de tuas mãos quando escreves.

Tua força épica de configurar-te
De não generalizar-te
De falar sobre artes,

Ah, morena, morena.

Tu manipulas as pupilas,
As minhas pupilas,
E manipula meus olhos,
E se faz menina

A menina dos olhos,
A morena dos olhos,
Agridoce que só.

Vinícius Reis

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Poesia que sobe a ladeira

Eu subia a rua pra enfrentar mais um dia normal, mais um dia repetido de minha rotina aceitável. Subia distraída, sem elegância, sem tentar seduzir às 7 da manhã ou sem perceber quem queria seduzir-me àquela hora.
Com meus passos rápidos de quem já estava atrasada o suficiente para não poder bobear, passei indiferente em frente à padaria, que impunha seu vapor quente na rua fria. Não olhei lá pra dentro, não me interessava nada o que acontecia por ali. Vi, que antes de eu alçançar a porta do estabelecimento já citado, um senhor saiu dali, saiu dali com a calma que a terceira idade pedia.
Vestia-se sem exageros, com um suéter amarelo e uma calça azul marinho. A precata marrom só confirmava o gosto por coisas já ultrapassadas pelo tempo, já fora de moda. Mas tudo bem, eu não iria exigir de um senhor, numa quarta feira pela manhã, que se vestisse como mandava o figurino da passarela. Nunca. Isso não fazia o menor sentido, nem pra mim, nem pra ele. Eu até o preferia daquela maneira. Fazia lembrar meu avô.

Eu me certifiquei que ele saíra da padaria por causa sacola plástica que segurava, sacola que continha um saco de papel com pães e, do lado de fora do saco de papel, um jornal levemente dobrado.
Sem dúvida alguma, havia passado na banca, conversado com o vendedor sobre o último placar de seus times e depois seguira para a padaria.
O fato foi que o velhinho despertou em mim um sentimento novo, inédito.
Os passos dele sem pressa, sem marcar o chão pela pressão que faziam no solo, causaram-me certa inveja aparente que chegou a me assustar. O velhinho não tinha compromisso, não tinha preocupações. E eu havia percebido isso extraodinariamente pelo jeito como ele andava na rua, pelo jeito como vivia as primeiras horas da manhã. Foi fantástico e triste. Foi invejoso e admirador.

A visão de o que o velhinho faria ao chegar em casa foi o que mais me marcou. Eu o imaginava entrando calmo, colocando o molho de chaves em cima da mesa e indo direto para a mesa de café. Mesa que ele já havia deixado posta para não ter que arrumar quando chegasse e correr o risco de o pão e as notícias do jornal esfriarem.
O velhinho suspiraria depois de sentar-se, pois a subida da ladeira o havia cansado bastante. Depois de respirar fundo umas três ou quatro vezes, ele poria café na xícara, veria o líquido fumegar instantaneamente e colocaria o nariz logo acima da fumaça para sentir o cheiro do café e julgar-lhe fraco ou forte. O velhinho, para mim, era especialista em cafés. O velhinho para mim, mais que isso, era especialista em coisas simples e sinceras.
Depois de tomar um gole do café e aprová-lo em relação à sua ''fortura'' ou ''fracura'', ele tiraria o pão mais corado de dentro do saco de papel. Sem se preocupar com colesterol ou coisas do tipo, passaria manteiga à vontade, deixando e fazendo-a derreter dentro da massa.
Já na primeira mordida no pãozinho francês, ele tiraria da sacola plástica o jornal, que com uma manchete violenta, o faria franzir a testa, balançar a cabeça negativamente e depois dizer pra si só: ''Onde é que esse mundo vai parar, meu Deus?''
O velhinho nem lê as reportagens que denunciam violência urbana, prefere se alienar nos resultados dos campeonatos estaduais de futebol.

Seu café da manhã, seu paraíso matinal parece infinito. Nunca termina.
O pão sempre estaria quente, o café sempre no ponto, os gols sempre seriam feitos, e as manchetes sempre seriam violentas (para atentá-lo para a realidade pelo menos uma vez em seu dia).
E ele, para minha graça, sempre estaria a ir comprar seu pãozinho, seu jornal. Naquela banca, naquela padaria, naquela ladeira.
Eu sempre o veria, sempre fantasiaria com suas ações, com seus gostos e nem que fosse por um minuto se quer, eu colocaria poesia e simplicidade nos meus dias. Nos meus dias normais, dias que faziam de minha rotina uma vida aceitável.

H.Reis


segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Biografia

Eu sou uma poetinha vagabunda que não mede, e por isso não merece as palavras ditas, os sentimentos sinceros ou o papel gasto.
Eu sou a chuva que cai em seu rosto naquele dia nublado em que nada mais parece ter solução. E ás vezes nem tem mesmo.
Nunca fui o Sol, ele brilha demais. Nunca fui a noite, ela é escura em demasia.
Eu sou a vulgaridade encarnada, eu sou a pura indiferença.

H.Reis

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Fatal

Perguntam-me enquanto poeta:
''Pra que rimar amor e dor?''
É inevitável, caro leitor.
É que a mão força a caneta.

Minto e sinto!
Já não culpo mais o tubo de tinta.

Culpo agora a vida, os amantes
Que berram o amor e o veneno pela garganta;
Mas que saem de mãos dadas ao vento bem vindo,
-Dançantes, não dançarinos-
E que se tremem, gemem escondidos por sobre a manta.

É fatal, pois amor e dor se atraem
Tanto na fonética das sílabas,
Quanto sentimentalmente.

H.Reis

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Selo ''Projeto Creativité''


Acabo de receber este lindo Selo de Qualidade Projeto Creativité de Vinícius Reis, dono do blog ''O Príncipe''.

=)

As regras, como não poderiam deixar de ter, são:
repassá-lo a 15 blogs que me agradem e dizer 10 coisas sobre mim.

Nome: Helena Reis ( na verdade tem mais coisa, mas eu desconsidero por não gostar)
Uma música: Não tenho uma música preferida na vida, sou toda movida por fases. E por agora é ''Quelqu'un m'a dit'' de Carla Bruni.

10 coisas sobre yo:

1- Tô tentando aprender francês sozinha.
2- Sou muito indecisa. Não me dê muitas opções, eu não vou saber escolher.
3- Tô com uma ideia pra um romance. Um romance grande, que me renderá um bom livro; se eu souber escrevê-lo bem.
4- Sou inexplicavelmente apaixonada pelo século XIX.
5- Decidi pelo meu 1º curso universitário. Depois de tanto passear por opções; escolhi definitivamente: Comunicação Social( Jornalismo)!
6- Adoro a madrugada. Mais que o dia, mais que a noite branda.
7- Faço amigos muito facilmente; sou muito comunicativa. Até demais.
8- Eu ainda não sei escolher meu livro preferido. Fico entre ''O Retrato de Dorian Gray'' de Oscar Wilde e ''O Encontro Marcado'' de Fernando Sabino.
9- Sou completamente apaixonada por Oscar Wilde. Leio-o sem parar.
10- Quase nunca escrevo poemas no papel; é mesmo muito raro. Meu processo criativo é mais tecnológico. Não que eu goste disso, mas sou assim.

Fiquei feliz com este selo! Muchas gracias.

Agora os meus indicados:

Carpinejar ( pode até ser que ele não veja, mas eu tentei)

Alguns não foram recomendados aqui por já terem sido no blog do Vinícius, é o caso de Tempos de Morangos e Versos Falantes.

Um beijo,

H.Reis

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Ao redor dos cílios

É que meus olhos pularam pra dentro de suas pupilas
Não consegui mais tirar.

São teus meus olhos, são minhas tuas pupilas gigantes.
Meus passos estão cercados por sua esclerótica leitosa...
Na qual caminho sem rumo, sem direção.
Só na intuição de onde estará seu coração.

Mas não penses tu que quero ajuda.
Nem para tirar meus olhos de suas meninas
Nem para encontrar logo o caminho das veias.
Só quero que junto comigo, ensine-me a te amar inteira.

H.Reis

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

#5

Eu finjo que me esqueci pra não justificar.
Eu finjo que está frio pra te abraçar.
Eu finjo dor para um carinho,
Só ao fingir não te amar perco o caminho.

H.Reis

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

#4

Um poeta nunca está sozinho.
Um poeta tem a vantagem de ter a poesia personificada em sua mente, em sua alma.
Um poeta vive até sem ele mesmo.
A poesia é que é insistente.
A poesia é imortal.

H.Reis

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Miss Estereótipo


Secretária. Palavra que inspira pensamentos voluptuosos e sensuais na maioria das vezes.

-Vou pedir para minha secretária te ligar daqui a pouco, ok?

O outro responde um ''ok'' e já vai logo pensando numa mulher de silhueta insinuante, com bumbum perfeito dentro da calça social e uma voz bem sexy mas um pouco irritante, tipo daquelas de atendentes de tele-sexo.

Mas e se a secretária que ligar tiver a voz de sua mãe? Ah, aí o cara broxa.
A intenção dele não era ouvir a voz e os trejeitos vocais da figura materna, e sim da secretária de sua imaginação. Se a deusa imaginada não pular do pensamento dele e ir direto pro outro lado do telefone, ele encurta a conversa com alguns ''aham's'' e desliga logo.

Mas é geral a imaginação que a palavra secretária provoca em quem escuta. Para mulheres ou homens. Ninguém escapa do estereótipo.

Ao separar em sílabas, a explicação para o fenômeno se dá fácil e teoricamente. As sílabas ''secre'' dão um ar de discrição à moça (que ás vezes nem é tão moça assim), o ''tá'' dá outro tom, um tom de ousadia, de levantada de cangote para o cliente sentir o perfume, e o ''ria'' nos faz imaginar a voz rouca com que ela atenderá o telefone e dará a notícia que de '' o chefe encontra-se em reunião''.

Mas não coloquemos tanta expectativa na pobre mulher. Se ela não for discreta, não tiver cangote bonito, nem um bom perfume e a voz de sua mãe ou avó reinar sobre a língua dela, perdoemos.
Afinal, ainda não inventaram concursos para a contratação de secretárias.

PS: Mas depois que inventarem, com certeza os executivos serão menos estressados.

H.Reis

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Meu bem, meu mal

É gracinha, meu bem, teu jeito de ser;
És meiga e tímida como uma potência máxima de pureza presa num pote.
Não se soltes nunca,
Que teu jeito completa o meu, tão errante.

É estranho, meu bem, teu jeito de olhar;
Mas é teu, e olhas a mim como se a primeira vez fosse.
Não me deixes de olhar nunca,
Que meus olhos querem os teus.

É pura cadência, meu bem, teu jeito de andar.
Não sambas na Sapucaí, e sim na Grande Avenida de meu coração.
Não deixes a cadência nunca,
Que minha aorta cede ao teu balançar.

É pura inocência, meu bem, teu jeito de amar.
Tua boca clama meu beijo sutil e desesperadamente.
Não deixes de me amar nunca,
Que meu corpo implora o amor teu.

H.Reis

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Canto-de-se-cantar-chorando

No encantado canto mórbido,
um passarinho cantava.
Cantava um canto-de-se-cantar-chorando.
Mas ele não sabia chorar.
Só sabia cantar.

Cantou, cantou,
A cidade chorou com o canto-de-se-cantar-chorando.
A voz não chorou, só cantou.

Até que de um canto da cidade um tiro foi disparado.
Tudo parou.
O canto, o choro, o encanto.
Tudo desencantou.

Só então a voz chorou.
Chorou o canto de-se-cantar-sorrindo.

H.Reis

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Paris, 23 de dezembro de 1986

Que tenhas um bom Natal, mamãe.

Diga para papai não se esquecer de vestir de Papai Noel e imaginar que estou aí, com os olhos cheios d'água olhando-o barrigudo, vermelho e branco.

Diga para Diogo não se apressar, um dia ele descobrirá que o papai Noel é nosso papai, que por coincidência, também se chama Noel. O nosso papai Noel existe e é só nosso.

Diga para vovó Didi que usarei as meias que ela me der de presente, e fale também que ela terá que inventar uma meia que não seja nem vermelha, nem azul, nem branca, nem amarela, nem verde, nem preta, nem marrom, nem roxa, nem rosa, nem nenhuma cor que existe. Pois nesses 31 natais que vivi, ela me deu meias e todas de cores distintas.

Diga para vovô Carlos não dormir antes da ceia e que aquele aviãozinho que ele me deu no Natal de 60 está aqui, em cima da escrivaninha de meu quarto.

Para Cida diga que sei que a rabanada dela continua a mesma. Me faz encher a boca d'água mesmo em outro continente.

E para a senhora, mamãe, um beijo e minha letra quente. É a maior e mais simples prova de amor que posso mandar.

Estou bem. Arranhei-me outro dia na quina da mesa, mas não se preocupe, já deu casquinha e vai sarar logo.

Espero que venham para meu aniversário,

Edgard.

H.Reis

Desfibrilador

Nunca estou sóbria. No lugar disso, sempre bêbada. Em minhas risadas há uma gota de álcool ilusório. Recomendo. É muito mais saudável.

H.Reis

domingo, 9 de janeiro de 2011

Desvio

Avistei uma moça ao longe.

Ela ia sozinha, chutando a areia branca com indiferença.

Olhou o mar, fez que não viu beleza e voltou a olhar a areia.

Areia que agora estava negra para seus olhos que não enxergaram as águas mais puras. Águas mais profundas e mais velhas deste planeta anil.
Sei que a areia não era mais a mesma, pois eu sou os olhos da moça.

Eu sofri ao não ver beleza no belo, ao não ver brancura no claro, ao não ver amor no pôr do sol. Sofri ao ver a dor onde não havia( no mar, no mar).

Mas que fazer? O corpo era todo sofrimento.

Não podia eu, como olhos, fingir não sentir a presença de um sentimento tão mais forte que o mar.

H.Reis

#3

E do caixa eletrônico sacou um extrato poético. Sacou poesia do banco. Não podia acreditar. Nunca mais quis sair de lá de dentro.

Morreu afogado em navios de extratos poéticos bancários.

H.Reis

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Flatulando

E enquanto esses gases que prendo não aliviarem minha barriga, continuarei sentado nesse sofá marrom que pertenceu à minha vó Marieta.

Minha vó Marieta que era casada com vô Teodoro, que tinha problemas de flatulência. Acho que herdei isso dele, e de vó Marieta herdei o sofá. Velha boazinha mas rígida quando necessário.
Eu, quando criança, juntava-me com vô Teodoro e sentávamos no sofá. Soltávamos os gases presos, próprios para aquela ocasião, a ocasião de irritar a velha com nossos cheiros misturados na sala. Vó Marieta ficava macha.Ela mandava a gente chispar dali.

Agora, depois de 50 anos que vô Teodoro fugiu com uma meretriz que o deixava soltar seus gases onde quisesse; 43 depois de vó Marieta ter-se ido, eu solto meus puns à vontade.

Não solto gases, sou moderno : solto puns.

Vó Marieta deve estar agora se revirando no caixão, e vô Teodoro? Ah, aquele deve estar com sua meretriz no colo, sentado ao lado de nosso Senhor, soltando as flatulências por debaixo da calça de brim desbotado.

H.Reis

domingo, 2 de janeiro de 2011

Transparecer

Continuar.
Palavra que contém a nudez do nu.
Nu que é homem, que é bicho-ser
No contínuo ser do nu, a vestimenta cai leve
E voa , e vai...
No ar

E cai.
Cai no chão gelado, chão nu,
Nu de poeira , de células mortas que caíram da pele nua do bicho-ser.
No contínuo do pó a nudez continua,

E assim o homem
(o bicho-ser)
descobre que tudo é nu.
Tudo é nudez
E só assim se despe de suas máscaras
Antes vestidas, quase grudadas.

H.Reis