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sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

#4

Um poeta nunca está sozinho.
Um poeta tem a vantagem de ter a poesia personificada em sua mente, em sua alma.
Um poeta vive até sem ele mesmo.
A poesia é que é insistente.
A poesia é imortal.

H.Reis

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Miss Estereótipo


Secretária. Palavra que inspira pensamentos voluptuosos e sensuais na maioria das vezes.

-Vou pedir para minha secretária te ligar daqui a pouco, ok?

O outro responde um ''ok'' e já vai logo pensando numa mulher de silhueta insinuante, com bumbum perfeito dentro da calça social e uma voz bem sexy mas um pouco irritante, tipo daquelas de atendentes de tele-sexo.

Mas e se a secretária que ligar tiver a voz de sua mãe? Ah, aí o cara broxa.
A intenção dele não era ouvir a voz e os trejeitos vocais da figura materna, e sim da secretária de sua imaginação. Se a deusa imaginada não pular do pensamento dele e ir direto pro outro lado do telefone, ele encurta a conversa com alguns ''aham's'' e desliga logo.

Mas é geral a imaginação que a palavra secretária provoca em quem escuta. Para mulheres ou homens. Ninguém escapa do estereótipo.

Ao separar em sílabas, a explicação para o fenômeno se dá fácil e teoricamente. As sílabas ''secre'' dão um ar de discrição à moça (que ás vezes nem é tão moça assim), o ''tá'' dá outro tom, um tom de ousadia, de levantada de cangote para o cliente sentir o perfume, e o ''ria'' nos faz imaginar a voz rouca com que ela atenderá o telefone e dará a notícia que de '' o chefe encontra-se em reunião''.

Mas não coloquemos tanta expectativa na pobre mulher. Se ela não for discreta, não tiver cangote bonito, nem um bom perfume e a voz de sua mãe ou avó reinar sobre a língua dela, perdoemos.
Afinal, ainda não inventaram concursos para a contratação de secretárias.

PS: Mas depois que inventarem, com certeza os executivos serão menos estressados.

H.Reis

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Meu bem, meu mal

É gracinha, meu bem, teu jeito de ser;
És meiga e tímida como uma potência máxima de pureza presa num pote.
Não se soltes nunca,
Que teu jeito completa o meu, tão errante.

É estranho, meu bem, teu jeito de olhar;
Mas é teu, e olhas a mim como se a primeira vez fosse.
Não me deixes de olhar nunca,
Que meus olhos querem os teus.

É pura cadência, meu bem, teu jeito de andar.
Não sambas na Sapucaí, e sim na Grande Avenida de meu coração.
Não deixes a cadência nunca,
Que minha aorta cede ao teu balançar.

É pura inocência, meu bem, teu jeito de amar.
Tua boca clama meu beijo sutil e desesperadamente.
Não deixes de me amar nunca,
Que meu corpo implora o amor teu.

H.Reis

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Canto-de-se-cantar-chorando

No encantado canto mórbido,
um passarinho cantava.
Cantava um canto-de-se-cantar-chorando.
Mas ele não sabia chorar.
Só sabia cantar.

Cantou, cantou,
A cidade chorou com o canto-de-se-cantar-chorando.
A voz não chorou, só cantou.

Até que de um canto da cidade um tiro foi disparado.
Tudo parou.
O canto, o choro, o encanto.
Tudo desencantou.

Só então a voz chorou.
Chorou o canto de-se-cantar-sorrindo.

H.Reis

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Paris, 23 de dezembro de 1986

Que tenhas um bom Natal, mamãe.

Diga para papai não se esquecer de vestir de Papai Noel e imaginar que estou aí, com os olhos cheios d'água olhando-o barrigudo, vermelho e branco.

Diga para Diogo não se apressar, um dia ele descobrirá que o papai Noel é nosso papai, que por coincidência, também se chama Noel. O nosso papai Noel existe e é só nosso.

Diga para vovó Didi que usarei as meias que ela me der de presente, e fale também que ela terá que inventar uma meia que não seja nem vermelha, nem azul, nem branca, nem amarela, nem verde, nem preta, nem marrom, nem roxa, nem rosa, nem nenhuma cor que existe. Pois nesses 31 natais que vivi, ela me deu meias e todas de cores distintas.

Diga para vovô Carlos não dormir antes da ceia e que aquele aviãozinho que ele me deu no Natal de 60 está aqui, em cima da escrivaninha de meu quarto.

Para Cida diga que sei que a rabanada dela continua a mesma. Me faz encher a boca d'água mesmo em outro continente.

E para a senhora, mamãe, um beijo e minha letra quente. É a maior e mais simples prova de amor que posso mandar.

Estou bem. Arranhei-me outro dia na quina da mesa, mas não se preocupe, já deu casquinha e vai sarar logo.

Espero que venham para meu aniversário,

Edgard.

H.Reis

Desfibrilador

Nunca estou sóbria. No lugar disso, sempre bêbada. Em minhas risadas há uma gota de álcool ilusório. Recomendo. É muito mais saudável.

H.Reis

domingo, 9 de janeiro de 2011

Desvio

Avistei uma moça ao longe.

Ela ia sozinha, chutando a areia branca com indiferença.

Olhou o mar, fez que não viu beleza e voltou a olhar a areia.

Areia que agora estava negra para seus olhos que não enxergaram as águas mais puras. Águas mais profundas e mais velhas deste planeta anil.
Sei que a areia não era mais a mesma, pois eu sou os olhos da moça.

Eu sofri ao não ver beleza no belo, ao não ver brancura no claro, ao não ver amor no pôr do sol. Sofri ao ver a dor onde não havia( no mar, no mar).

Mas que fazer? O corpo era todo sofrimento.

Não podia eu, como olhos, fingir não sentir a presença de um sentimento tão mais forte que o mar.

H.Reis

#3

E do caixa eletrônico sacou um extrato poético. Sacou poesia do banco. Não podia acreditar. Nunca mais quis sair de lá de dentro.

Morreu afogado em navios de extratos poéticos bancários.

H.Reis

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Flatulando

E enquanto esses gases que prendo não aliviarem minha barriga, continuarei sentado nesse sofá marrom que pertenceu à minha vó Marieta.

Minha vó Marieta que era casada com vô Teodoro, que tinha problemas de flatulência. Acho que herdei isso dele, e de vó Marieta herdei o sofá. Velha boazinha mas rígida quando necessário.
Eu, quando criança, juntava-me com vô Teodoro e sentávamos no sofá. Soltávamos os gases presos, próprios para aquela ocasião, a ocasião de irritar a velha com nossos cheiros misturados na sala. Vó Marieta ficava macha.Ela mandava a gente chispar dali.

Agora, depois de 50 anos que vô Teodoro fugiu com uma meretriz que o deixava soltar seus gases onde quisesse; 43 depois de vó Marieta ter-se ido, eu solto meus puns à vontade.

Não solto gases, sou moderno : solto puns.

Vó Marieta deve estar agora se revirando no caixão, e vô Teodoro? Ah, aquele deve estar com sua meretriz no colo, sentado ao lado de nosso Senhor, soltando as flatulências por debaixo da calça de brim desbotado.

H.Reis

domingo, 2 de janeiro de 2011

Transparecer

Continuar.
Palavra que contém a nudez do nu.
Nu que é homem, que é bicho-ser
No contínuo ser do nu, a vestimenta cai leve
E voa , e vai...
No ar

E cai.
Cai no chão gelado, chão nu,
Nu de poeira , de células mortas que caíram da pele nua do bicho-ser.
No contínuo do pó a nudez continua,

E assim o homem
(o bicho-ser)
descobre que tudo é nu.
Tudo é nudez
E só assim se despe de suas máscaras
Antes vestidas, quase grudadas.

H.Reis