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quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Poesia que sobe a ladeira

Eu subia a rua pra enfrentar mais um dia normal, mais um dia repetido de minha rotina aceitável. Subia distraída, sem elegância, sem tentar seduzir às 7 da manhã ou sem perceber quem queria seduzir-me àquela hora.
Com meus passos rápidos de quem já estava atrasada o suficiente para não poder bobear, passei indiferente em frente à padaria, que impunha seu vapor quente na rua fria. Não olhei lá pra dentro, não me interessava nada o que acontecia por ali. Vi, que antes de eu alçançar a porta do estabelecimento já citado, um senhor saiu dali, saiu dali com a calma que a terceira idade pedia.
Vestia-se sem exageros, com um suéter amarelo e uma calça azul marinho. A precata marrom só confirmava o gosto por coisas já ultrapassadas pelo tempo, já fora de moda. Mas tudo bem, eu não iria exigir de um senhor, numa quarta feira pela manhã, que se vestisse como mandava o figurino da passarela. Nunca. Isso não fazia o menor sentido, nem pra mim, nem pra ele. Eu até o preferia daquela maneira. Fazia lembrar meu avô.

Eu me certifiquei que ele saíra da padaria por causa sacola plástica que segurava, sacola que continha um saco de papel com pães e, do lado de fora do saco de papel, um jornal levemente dobrado.
Sem dúvida alguma, havia passado na banca, conversado com o vendedor sobre o último placar de seus times e depois seguira para a padaria.
O fato foi que o velhinho despertou em mim um sentimento novo, inédito.
Os passos dele sem pressa, sem marcar o chão pela pressão que faziam no solo, causaram-me certa inveja aparente que chegou a me assustar. O velhinho não tinha compromisso, não tinha preocupações. E eu havia percebido isso extraodinariamente pelo jeito como ele andava na rua, pelo jeito como vivia as primeiras horas da manhã. Foi fantástico e triste. Foi invejoso e admirador.

A visão de o que o velhinho faria ao chegar em casa foi o que mais me marcou. Eu o imaginava entrando calmo, colocando o molho de chaves em cima da mesa e indo direto para a mesa de café. Mesa que ele já havia deixado posta para não ter que arrumar quando chegasse e correr o risco de o pão e as notícias do jornal esfriarem.
O velhinho suspiraria depois de sentar-se, pois a subida da ladeira o havia cansado bastante. Depois de respirar fundo umas três ou quatro vezes, ele poria café na xícara, veria o líquido fumegar instantaneamente e colocaria o nariz logo acima da fumaça para sentir o cheiro do café e julgar-lhe fraco ou forte. O velhinho, para mim, era especialista em cafés. O velhinho para mim, mais que isso, era especialista em coisas simples e sinceras.
Depois de tomar um gole do café e aprová-lo em relação à sua ''fortura'' ou ''fracura'', ele tiraria o pão mais corado de dentro do saco de papel. Sem se preocupar com colesterol ou coisas do tipo, passaria manteiga à vontade, deixando e fazendo-a derreter dentro da massa.
Já na primeira mordida no pãozinho francês, ele tiraria da sacola plástica o jornal, que com uma manchete violenta, o faria franzir a testa, balançar a cabeça negativamente e depois dizer pra si só: ''Onde é que esse mundo vai parar, meu Deus?''
O velhinho nem lê as reportagens que denunciam violência urbana, prefere se alienar nos resultados dos campeonatos estaduais de futebol.

Seu café da manhã, seu paraíso matinal parece infinito. Nunca termina.
O pão sempre estaria quente, o café sempre no ponto, os gols sempre seriam feitos, e as manchetes sempre seriam violentas (para atentá-lo para a realidade pelo menos uma vez em seu dia).
E ele, para minha graça, sempre estaria a ir comprar seu pãozinho, seu jornal. Naquela banca, naquela padaria, naquela ladeira.
Eu sempre o veria, sempre fantasiaria com suas ações, com seus gostos e nem que fosse por um minuto se quer, eu colocaria poesia e simplicidade nos meus dias. Nos meus dias normais, dias que faziam de minha rotina uma vida aceitável.

H.Reis


2 comentários:

  1. Adorei este texto,
    muito lindo mesmo, e nada do que esta escrito ai deixa de ser verdade;

    peace!

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  2. Garotaa. esse texto está simplismente fantástico. Eu me sinto como vc tb.porém, eu nao me sinto dessa forma somente na parte da manha. porém em todas as horas dos dias de semana, corro tanto que até esqueço de como é viver! beijao, continue escrevendo.

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