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quinta-feira, 30 de junho de 2011

Imposição

E se seu nome todavia não regesse toda a minha vida,

Eu o inventaria

                                        Eu o faria importante

                                                                                                                                             Eu o faria infinito.

E fim.

H.Reis

terça-feira, 28 de junho de 2011

Poesia Involuntária

A menina escreveu um poema com a naturalidade em que se coça a sola do pé.
A sola do pé virou poema,
E a menina, poetisa.

H.Reis

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Poema-Perdição

Inspiro-me,
                                                             distraio-me,
e por isso

não escrevo.
E perco o poema.


Inspiro,
                                                                   expiro,
respiro.

Nem que quisesse perderia a respiração.

Quem sabe talvez se a prendesse, assim como não posso fazer com minha inspiração poética.
Quem sabe assim eu a perdesse.
Mas se prendesse a respiração, mataria-me.
E então seria eu uma mulher morta ou uma poetisa?


Nada disso.
Seria eu uma inspiração para uns próximos poetas.

H.Reis

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Desabafo de uma Louca

Tenho vícios fracos, não sou concisa e como poderia, desse modo, ser equilibrada?Em minha prolixidade os sentimentos encaixam-se na bagunça e excesso de palavras.

Se te amo, amo por excesso, nunca por falta ou perda de um pedaço do meu sentimento, pois eu sei exatamente onde ele se encontra.

H.Reis

O Sofá Amarelo

Titia Eulália não saía daquele estofado amarelo desbotado e se perguntada o por que, a velha dizia sempre na mesma irritação:
- Foi presente de papai no dia de meu casamento. Não me desfaço dele! Tem valor sentimental.
E todos aceitavam, achavam ser mais uma daquelas manias de gente da idade de titia Eulália. Não tenho certeza, mas devia ter ela lá pros seus 78 anos.
Havia tido uma vida sofrida, perdeu dois filhos ainda no ventre, o marido fugiu com a vizinha para depois voltar com uma mão na frente outra atrás exigindo abrigo de pronto; e ela, como muito apaixonada que era por Tio Eustáquio, perdoou-o e o acolheu imadiatamente. E recentemente sua casa havia sido levada por uma enchente devastadora que quase a matou; mas acabou matando, decisivamente, Vênus, seu cachorrinho adestrado.
Nunca havia sido bonita. A verruga que trazia no pescoço desde que nascera a enfeiara para sempre. Era uma sina eterna, já que ela tinha aversão à dor e nunca se dispôs a ir ao médico tentar tirar aquela coisa. Chegou uma vez, no auge de uma bebedeira, dizer que era seu charme e que titio adorava. E foi naquele dia que tive pra mim que ele a havia deixado exatamente por aquele pedaço de pele morta e negra incrustada em seu cangote.
Os filhos eram um desgosto só. Maria João foi ser mulher da vida na capital, que lá era mais comum. Dois meses depois, titia recebia uma carta do cafetão da menina dizendo que ela havia pegado doença de mundo, caído de cama três dias e falecido logo em diante. João Maria, o outro filho, era o único em que ela depositava esperança, mas foi só ele se apaixonar por Elvira para sumir com ela Rio de Janeiro abaixo. Notícias dele nunca mais.
E titio Eustáquio descobriu um câncer de fígado, coisa já esperada, pois o velho sempre havia bebido todas e mais algumas. Morreu, sem ter parado de beber sequer um dia, um ano e seis meses depois da descoberta fatal.
Enfim, Titia Eulália ficou só e veio morar aqui em casa. Éramos os únicos da família aqui no Rio, e mamãe, sempre muito hospitaleira, acabou acolhendo-a sem pensar duas vezes.
Chegou aqui sem mala, nécessaire ou coisa do tipo. Só vinha com um negrinho forte atrás dela que trazia nas costas o velho sofá amarelo ‘’ que foi presente de seu pai e ela não desfaz por nada, tem valor sentimental.’’
Já fazia sete meses que estava aqui, ou melhor dizendo, naquele sofá amarelo. Não fez questão de ter uma cama, disse que só queria dormir naquele sofá.
Tomava banhos rapidíssimos, quase não usava o banheiro e quando escovava os dentes era no quarto onde ficava seu sofá. Não tirava o olho daquilo.
Todo mundo já estava estranhando aquilo, mas ninguém questionava ou incomodava com aquela esquisitice.
Veio então o dia em que titia Eulália teve um ataque de febre fulminante, não conseguia nem andar e então tivemos que chamar o médico.
Doutor Oliveira não nos deu esperança, disse que ‘’essa senhora está morrendo de velhice. Só os resta esperar’’.
Mamãe foi logo poupando os gastos para pagar o caixão da velha.
Até que duas semanas depois, nossa titia empacotou-se.
O velório teve de ser em seu quarto, já que ela havia implorado que só queria sair do sofá para ir direto pra debaixo da terra e se pudesse queria ser enterrada com tal o objeto de adoração.
A casa encheu-se de parentes, vizinhos e amigos lá de onde titia morava. Velhas chatas e inconvenientes brotaram lá em casa para dar o último adeus. Até que uma veio conversar comigo, vendo que eu não estava triste o bastante para ser sobrinho da defunta.
-Você não vai sentir falta de sua tia? Não parece triste.
-Ah, vou. Mas confesso que pouca. Titia passava a maior parte do tempo deitada ou sentada nesse sofá desbotado. Alisava, limpava, conversava e até beijava o pobre.
A amiga da falecida comoveu-se:
- Verdade mesmo? Fico tão feliz que Eulalinha (as velhas amigas a chamavam assim) tenha gostado desse sofá que lhe dei. Eu não dei zero bala, até por que não tinha condições, mas foi de coração. Não sabia que ela havia pegado tanto apreço nesse sofá.
Eu estranhei:
-A senhora foi quem deu esse sofá pra titia? Mas ela vivia dizendo que foi presente do pai dela, de casamento, que tinha valor sentimental.
-Ah, sua tia já não estava boa dos miolos quando veio pra cá. Fui eu quem deu pra ela de presente quando a enchente levou a casa dela.
Não discuti, se levasse a conversa pra frente insistindo que o sofá havia sido presente de vovô, a velha senhora poderia ficar ofendida, pensando que eu a julgava louca.
O velório seguiu a madrugada, o enterro foi pela manhã no cemitério municipal e eu resolvi não ir. Ficaria em casa para desvendar o ‘’mistério do sofá amarelo’’.
Logo depois de todos saírem, fui direto para o quarto que agora não tinha mais dono. Cheguei perto do estofado que fedia a gente morta há poucas horas(se é que existe esse cheiro) e o toquei com nojo. Observei durante alguns longos minutos o objeto em minha frente e não percebi nada de diferente. Fui, frustrado, esperar todos voltarem do cemitério.
Mamãe, exausta, chegou em casa e foi direto para o ex quarto de titia. Abriu as cortinas, levantou a cadeira da escrivaninha e soprou o pó do canto da janela.
Cansada, sentou-se, sem maldade, no sofá da defunta e sentiu, na nádega esquerda, uma espetada profunda. Chamou papai que, sentando em outra parte do móvel, espetou a nádega direita.
Estranharam, fecharam a testa num ato de espanto e tiveram a ideia de destruir o sofá para descobrir o que tinha ali dentro que espetou as duas bundas naquela brusca profundidade.
Assisti à destruição. Aquilo sim me pareceu o enterro de titia Eulália, pois estavam dando cabo na coisa única coisa que ela tinha e que mais adorava na vida.
Depois de muita espuma barata ter sujado o chão do quarto, papai tirou de lá de dentro, numa surpresa unânime, um diamante enorme, lapidado, com uma ponta fina que parecia até ferramenta de tortura da Santa Inquisição. Absurdado e sem dizer palavra, papai continua a ‘’cavar’’ o sofá e encontra ali mais uma pedra idêntica no tipo, mas um pouco menor.
Havíamos então descoberto o por que do apego de titia Eulália pelo sofá feio e desbotado: o amor dela pela fortuna oculta amortecia as espetadas dos diamantes lapidados em suas nádegas murchas.
H.Reis

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Momento Graciliano

Heloisa e Graciliano Ramos


''Dizes que brevemente serás a metade de minha alma. A metade? Brevemente? Não: já agora és, não a metade, mas toda. Dou-te a minha alma inteira, deixe-me apenas uma pequena parte para que eu possa existir por algum tempo e adorar-te.''

(Cartas de Amor a Heloisa - Graciliano Ramos)

sábado, 4 de junho de 2011

Imersão

E depois que bebeu,
na única taça que tinha,
seu vinho caro,
velho
e quase doce,
o poeta entrou em devaneios.

Riu da mulher que viu morrer no meio-fio.

Tripudiou em cima do marido traído.

Sentou-se à escrivaninha de jacarandá
e percebeu que a única coisa que sabia
era escrever.

''- Viver a vida é coisa muito difícil''

E começou um novo poema.

H.Reis

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Momento João Cabral


Difícil Ser Funcionário

Difícil ser funcionário
Nesta segunda-feira.
Eu te telefono, Carlos
Pedindo conselho.

Não é lá fora o dia
Que me deixa assim,
Cinemas, avenidas,
E outros não-fazeres.

É a dor das coisas,
O luto desta mesa;
É o regimento proibindo
Assovios, versos, flores.

Eu nunca suspeitara
Tanta roupa preta;
Tão pouco essas palavras —
Funcionárias, sem amor.

Carlos, há uma máquina
Que nunca escreve cartas;
Há uma garrafa de tinta
Que nunca bebeu álcool.

E os arquivos, Carlos,
As caixas de papéis:
Túmulos para todos
Os tamanhos de meu corpo.

Não me sinto correto
De gravata de cor,
E na cabeça uma moça
Em forma de lembrança

Não encontro a palavra
Que diga a esses móveis.
Se os pudesse encarar...
Fazer seu nojo meu...

Carlos, dessa náusea
Como colher a flor?
Eu te telefono, Carlos,
Pedindo conselho.

(João Cabral de Melo Neto influenciado por Carlos Drummond de Andrade)

Postado por H.Reis