Páginas

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

O fim do fim do mundo

Decretaram o fim do mundo!
Matem suas paixões
Queimem todas as cartas
Tripudie em cima do amigo traído.

Decretaram o fim do mundo!
Desmarquem todos os médicos
Deem adeus aos salões de beleza
Parem de estudar

Não queiram mais justiça
Nem mais amor
Nem sexo
Fim.

E depois, no outro dia
Se o mundo resistir ao decreto
Chorem as cartas queimadas
Lamentem a perda de suas paixões
Tentem reconquistar o amigo traído duplamente

Estarás doente, estarás desarrumado, e os deveres da escola por fazer
Mas perdoado também estarás.
Pois até ontem estava decretado o fim do mundo.

Os injustiçados mais ainda assim estão
E você? Você sem amor, sem gozo, sem vida.

Puro começo.
Vejo no fim do fim do mundo um recomeço pro que estava inacabado.

Re-começo.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Virei adulta de uma chuva pra outra

Comprei uma sombrinha e virei adulta! Simples assim.
Não sei se faz sentido, se bate ou confere com a ideia de ''gente grande'' que você tem. Mas eu vou explicar a minha e você vai entender o fato de eu ter saído da adolescência e entrado na fase adulta por menos de vinte reais.

Quando eu era pequena e andava com alguém sempre mais velho e responsável que eu ao lado, e começava a chuviscar, a pessoa tirava uma sombrinha ou um guarda chuva da bolsa e pronto. Estávamos todos protegidos contra os pingos celestes.
Eu cresci e comecei a andar sozinha, ir de um lugar ao outro sem companhia, sair e pronto... me vi sempre pegando chuva.
Tinha que ligar pra alguém( leia mãe ou pai) me buscar de carro, me dar carona de sombrinha e sempre me dar uma bronca básica:

- Como é que você sai de casa sem sombrinha, Helena?

E minha desculpa era sempre:

-Eu não tenho!

Mas um dia, sem querer, eu tive!

Havia ido fazer companhia pra minha irmã, que estava indo à Feira dos Produtores comprar ração pro gato ( ?). E do nada, sem motivo ou desmotivo, começa a chover. Nós, lá dentro, com a mesada recentemente recebida e querendo arrumar desculpa pra comprar alguma coisa, tivemos que comprar sombrinhas.
Foi a maior animação pra escolher a que mais combinava com cada uma de nós. Parecíamos crianças escolhendo sorvete pela cor. E compramos.

Ao sair da Feira, uma sensação estranha, adulta e adúltera me invadiu. Era como se eu estivesse traindo a minha infância. Minha irmã e eu (duas eternas crianças companheiras) sozinhas na rua, na chuva e com sombrinhas? Isso não entrava na minha cabeça.
Se fôssemos mais novas, estaríamos sem dinheiro, e iríamos embora na chuva, encharcadas e pisando forte nas poças recém-formadas. Morrendo de rir.

Mas não. Viramos adultas de uma hora pra outra e sem perceber. E agora eu ando com essa sombrinha dentro da bolsa. Ela parece sombra, vai comigo pra qualquer canto.

Um dia eu ainda faço uma pirraça. Finjo que não a vi no fundo da mochila, pego o celular e ligo:

-Pai, vem me buscar! Tá chovendo aqui. Eu ainda sou criança.

H.Reis

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Releitura de ''Destinatário Ausente''

Grafite: ameaça vil ao verso que não quis acordar.

A tua morada? Oceano frio que sonho em tocar as pontas.

Os meus olhos ainda entornam a ponta estragada, sem cor.

E você, que pinta de asma essa ponte sem resto de humor?

Teu corpo que nem me emoldura com os braços

e reduz ao afago sem tinta o meu tão querido quadro

Sonha, estremece, mergulha e se embebeda

de águas que afogam mil versos de sequidão.

O pôr-do-sol em tuas narinas : sente-se e sinta-se como tal.

Esta rotina rotina rotina te amarela, tão espaçosa que expulsa o verso para abaixo dali

Você é completo, abusivo. No mais alto teor de comparação.

Mergulha cego no raso da vida.

Convicto da TV que vela teu sono: és tu apenas um brilho.

Leitor? Leiturista : você só serve para uniformes, letrista.

Nu está que nada o desgelo da poesia.

Mas a nudez só traja as almas frágeis.

A pureza dessa água só bebe a imagem de corpos vazios, tão cheios de ocaso quanto a própria rosa do instinto

A eternidade fez questão de morrer em você,amigo.

Você dorme enquanto estremeço, esqueça!

Não passamos da prosa de um circo:

Escrevo para as almas que dançam conforme o hino do Abismo.

( Releitura de Moisés Paim, poeta, poeta, poeta. Namorado, amigo, menino, homem. Eternamente Poeta)

Destinatário ausente

Nada é favorável à minha escrita, ao meu poema.
O papel acabou.
A tinha secou e o lápis quebrou.
E você,leitor?
Você não quer ler, você é preguiçoso e relutante.
Você põe fim ao meu poema sem que eu o autorize.
Você boceja, você levanta, se senta e pede um drink.
Voce reluta a ouvir o que grito.
Você não sente, leitor.
Você tem afazeres mais importantes. Tão importantes que nem tarefas são.
Afazeres te soa melhor.  Palavra mais difícil, rara e bonita.
Você tem seus afazeres.
Afazeres seus que são lavar o carro.
Levar a TV ao conserto ou comprar um terno novo.
Não se vista, leitor.
Vestir-se pra quê? É só um conselho que lhe dou.
O linho não terá orgulho de vestir alguém tão vazio.
 O espelho não terá prazer em ver despir-se alguém tão cheio de nada.
Não perderei mais meu tempo a dar-lhe conselhos, leitor.
Você não está lendo isso.
Pois então, eu estou escrevendo pra quem?

H.Reis

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Certezas

Se vejo teu rosto em meu umbigo
Se sinto suas vestes em minhas curvas
Ou se quando só, sinto seu cheiro vagar e divagar...
Não duvido mais

Não duvido mais
Que serei sopa que tomarás de garfo ou faca
Mas os talheres não me importam.
Tomarás!

Não duvido mais
Que seremos a música em silêncio
Que dançaremos a qualquer hora
Em qualquer espaço..

Não duvido mais
Que serás trapesista
A desfilar, a pisar e repisar meu corpo
A tatuar minhas costas

Se todas essas certezas me fazem ser tua
E te fazem ser meu
Não percamos tempo

''Vem viver comigo,
Vem correr perigo
Vem morrer comigo''

Por que viver o amor é começar a morrer.

H.Reis

sexta-feira, 16 de março de 2012

Presente

Não escolherei morrer de qualquer outra coisa
Hoje
que descobri o amor

Não escolherei mirar qualquer outra coisa
Hoje
que encarei seu olhar

Não ousarei tocar qualquer outra coisa
Hoje
que despi teu corpo

Hoje, hoje
que quero vive-lo somente e sempre

O amanhã não me importa,
e o ontem...

O ontem é obra de um passado onde não existia seu amor,
Seu olhar
Ou seu corpo.

H.Reis

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Criança é fogo!

A Bala Sem Bola

Edu vinha tendo problemas com açúcar. Comia doce demais. Ia pra casa da avó, ela dava bolo, balas, chocolates e tudo mais o que ele pedia. Fazia seu papel de avó: estragar o neto.

Ele então voltava pra casa todo caprichoso, comparando a casa dela com a nossa.

- Na casa da vovó tem doce toda hora. Ela me dá! e fazia cara ruim.
-Eduardo, aqui não é a casa da sua avó. E exatamente por que você tem comido lá, que vai parar de comer por aqui. Vai acabar doente se comer doces todo o tempo.

Ele não se conformava. E eu realmente nem esperava que se conformasse, pois tinha cinco anos e estava na idade de querer muito açúcar.
E lá vinha ele todo dia pedindo de novo. Era só terminar de almoçar.

-Mamãe, tem chiclete?
- Não, Edu. Chiclete dá cárie. Ninguém aqui tá querendo isso. Tem gelatina de sobremesa. Muito mais gostoso e saudável, eu mentia sobre a parte do gostoso. Por que desde criança sempre fui apaixonada por chicle.

Ele fazia cara ruim de novo e dizia.

- Tô doido pra chegar o dia de ir pra casa da vovó! Aposto que lá vai ter um tanto de doces me esperando. Vai ter muito chiclete pra eu fazer bola. E eu vou comer uma caixa de bombom so-zi-nho. Ele fazia questão de falar bem claro, me afrontando.

Esse exagero em dar para a criança tanta guloseima assim, me fazia querer ir lá na casa da minha sogra conversar sobre isso, e pedi-la que não o fizesse mais. Pois Edu estava ficando mal acostumado e até grosseiro comigo. Mas conhecendo a sogra que tenho, ela diria que isso é uma intervenção na educação que está dando pra ele. Achei melhor nem tentar. Deixaria a velha exagerar lá e seria rígida em minha casa. Sem discussão.

Até que me lembrei, de súbito, que quando eu era criança e estava lá pelos meus sete anos, também era muito viciada em doces fabricados. Meu pai tentava fazer-me comer mel para matar a vontade dos doces, mas eu não gostava e nem queria. Então, um dia, ele chegou em casa com um pote del mel meio anormal. Havia alguma coisa grande e inteira mergulhada ali. Era o favo. Eu nunca tinha visto nem ouvido falar. Mas papai chegou dizendo que era chiclete de mel. Me deu pra provar e eu adorei. Realmente dava pra mascar como um chiclete normal, mas perdia o doce logo. Só que esse problema era logo resolvido. Uma colher de mel na boca e lá estava o doce de novo. O outro problema sem solução era que não dava pra fazer bola com o favo do mel. Mas eu não ligava e continuava mascando.

O plano do meu pai comigo deu certo, por que não daria certo com Edu? No mesmo dia, comprei o mel com favo e guardei. Era surpresa.
Depois do almoço, Edu, que já entendera que não tinha doces como na casa da avó, nem perguntava mais. Comia gelatina ou qualquer outra coisa sem resistir. Antes de o servir de sobremesa, eu disse:

-Edu, tem chiclete.

Ele abriu os olhos surpreso.

- Verdade, mamãe? Me dá?

Fui ao armário da cozinha e voltei com o pote de mel. Ele olhava com estranheza eu cortar o favo. Coloquei bastante mel e pus na boca dele. Que mastigava feliz e assustado. Mas não dizia nada.
Saiu andando pela casa, saboreando a guloseima nova. E eu disse:

-Quando o doce acabar, pode vir aqui que a gente resolve isso.

Eu só tinha medo da pergunta sem resposta. Eu sabia que ele faria pois era curioso e perguntão, mas não sabia a resposta que daria. E sem resposta, ele não ia querer mais do ''chiclete saudável'' e tornaria a falar que ''na casa da vovó é melhor''.

Eu juntava os pratos da mesa, quando escuto um grito lá de dentro:

-Mamãe, como é que faz bola com esse seu chiclete?

Criança é fogo!

H.Reis

sábado, 14 de janeiro de 2012

Geneticais

Hipertricose auricular
Condição genética descrita nos livros de biologia
Dos biólogos e cientistas curiosos
Localizada no cromossoma Y

Mas na boca do povo e até do branco sabido,
Isso é ''cabelo na orelha'',
E todos os filhos do cabra, mesmo as meninas
Vão ouvir quando criança:
''Cuidado.Quando crescer, vai ter cabelo na orelha igual seu pai.''

H.Reis

(Paródia do poema ''Pronominais'', de Oswald de Andrade.)