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sábado, 29 de maio de 2010

Ajuda involuntária


Luísa estava se achando um lixo.
Achava seus cachos cacheados demais,poderiam ser menos.
Seus lábios finos demais,poderiam ser mais grossos.
Seus olhos pretos demais,poderiam ser mais claros.
Suas narinas abertas demais,poderiam ser mais delicadas.
Seus joelhos tinham algumas cicatrizes,que ela havia conseguido quando pequena,de tanto correr,cair,se machucar e voltar a brincar.
Achava seus seios estranhos, ainda não tinha se acostumando a andar carregando aqueles dois pesos abaixo de seu pescoço.
Suas pernas,para ela,eram grossas demais,poderiam ser mais finas e esbeltas.
E assim andava pelas ruas de sua cidade,sem nenhum propósito,a não ser o de ser achar um lixo.
Até que se cansou e sentou em um banco verde de madeira envelhecida.Um banco qualquer da praça.
Colocou o fone de ouvido e fingiu estar ouvindo alguma coisa.Prestava atenção mesmo era nas crianças que corriam por ali.Nas adolescentes felizes com suas primeiras paixões.
Até que uma senhora bem elegante passou e resolveu se sentar no banco verde de madeira envelhecida também.Luísa percebeu que aquela senhora a olhava muito.Olhava todas as suas partes.Os cachos cacheados demais.Os olhos pretos demais.As narinas não delicadas.As cicatrizes em seu joelho.Seus seios estranhos e pernas grossas.Percebeu então,depois de um tempo,que aquela senhora a invejava,mas uma inveja boa.Alguma coisa na cabeça de Luísa a dizia que aquela senhora já havia sido exatamente igual a ela, com suas dúvidas, imperfeições e frustrações.
Logo depois sentou no mesmo banco verde de madeira envelhecida um senhor,também elegante,com um jornal na mão.O senhor também começou a olhá-la,de maneira mais discreta,é claro,como quem fingia ler o jornal.O senhor não tirava os olhos de suas pernas grossas que podiam ser mais esbeltas.
Luísa sentiu uma coisa diferente.Naquele momento parou de se achar um lixo.Percebeu que era invejada por aquela senhora e desejada por aquele senhor.E nada a fez mais feliz.
Ela podia até não ser a mais linda, a mais magra,a mais esbelta,mas era jovem.E sua juventude ninguém podia arrancar dela.Só o tempo.E desde aquele momento começou a se achar sufuciente.Suficientemente bonita.Deciciu que aproveitaria o máximo sua juventude,pois ela passa rápido e quando menos esperasse seus joelhos não mais funcionariam,seus cachos seriam brancos e sua boca murcha,suas pernas sem vida.
E foi assim,com a ajuda involuntária daqueles dois,que aprendeu a se aceitar.

H.Reis

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