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sábado, 30 de abril de 2011

Tudo joia?

Tenho reparado já há algum tempo (e posso assim até dizer que ando fazendo uma pesquisa e que guardo os dados dela na cabeça) a falta de respostas em que o mundo hoje se encontra. Desde as coisas mais banais até as mais sérias e arbitrárias possíveis.

Tive esse estalo outro dia ao estar dentro de um ônibus fazendo uma pequena viagem, coisa que faço quase toda semana, ao ir passear em minha cidade natal.
O ônibus estava cheio, eu estava em pé e também a maioria do passageiros.

Entrou então um rapaz lá pros seus 29 anos, mas isso não importa. Entrou, quietou-se em pé num lugar e começou a conversar com algum conhecido que já estava sentado por ali. Logo depois entra uma moça, até bonita, com uns olhos claros e o cabelo castanho, mas isso também não faz a mínima diferença, só gosto de caracterizar os participantes para fazer dessa leitura uma coisa mais imaginativa ou divertida. A moça, enquanto pagava sua passagem, reconheceu o tal rapaz de 29 anos, sorriu pra ele e perguntou :

- Tudo joia?

Ele, ao invés de respondê-la fez a mesma pergunta, só que do seu jeito mais malandro:

-Beleza?

E ficou assim! Ela não respondeu, ele não respondeu. E se nenhum dos dois estiver ''joia'' ou ''beleza''? Como fica? O que se faz? Mas isso também não satisfaz a minha pergunta, por que se os dois tivessem respondido à perguntas, respectivamente, as respostas seriam as mesmas:

- ''Tudo bem sim.''

- '' Tô Tranquilo.''

Mas eu duvido que esteja tudo assim ás mil maravilhas. Assim como não está nesse nosso planeta. Faz-se perguntas a todo momento: ''Por que as torres gêmeas foram implodidas?''
''Por que aquele menino entrou na escola que estudava e matou 13 crianças?'' E então vêm-se as respostas mais absurdas, que não respondem nem justificam tais atos.

Sei que chega a ser quase ridículo comparar a falta de resposta para esses fatos com a falta de resposta para um ''tudo joia?'', mas fez-me formular a teoria de que é um mero reflexo. As pessoas desistem de responder, pois elas também não tem respostas para as coisas mais questionáveis e que realmente precisam ser esclarecidas.
Uma vez, ao conversar sobre um pouco disso com um colega distante mas querido, ele disse:

''-Criatividade e Rotina são palavras antagônicas, deixa pra lá. É assim que funciona: respostas previsíveis pra perguntas da mesma laia. Na inevitável pergunta "tudo bem?", é muito mais fácil dizer que está tudo ótimo do que dissertar sobre as peculiaridades da alma, do momento e da puta que o pariu em crise existencial. Por trás dos "tudo ótimo", há sempre uma pequena fração de sutilezas a serem consideradas. Enfim, falei demais. ''

Enfim, pensei demais. Mas eu realmente espero que esteja tudo bem pelo menos para aquele casal do ônibus.

H.Reis

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Momento Quintana

Livros não mudam o mundo, quem muda o mundo são as pessoas. Os livros só mudam as pessoas.

(Mário Quintana)

terça-feira, 26 de abril de 2011

#6

Os ossos de seu magro pescoço me engolem sem ajuda umidificante; nosso amor é seco.

H.Reis

terça-feira, 19 de abril de 2011

Com todo respeito, Manuel Bandeira


É quem escreve versos livres
Rimas ricas mas não aparentes.
É quem não liga pra falta de eira ou beira
É Bandeira.


É quem não gostaria que eu rimasse seu nome
E é por isso que a partir daqui serei como ele
Livre, leve, solta, veloz ou devagar...
Imitando Bandeira.


Cidades reais ou imaginárias
São por ele (re)criadas e contadas
Com a maestria de um Deus da geografia poética
Com a sensibilidade de um Deus da poesia geográfica do coração.
É Bandeira.


É quem faz versos como quem morre, como quem vive, chora ou sorri.
E se uma lágrima cair e borrar a caneta? E daí?
Será ainda a mais autêntica e original poesia
De Bandeira


É quem me encanta, me canta, me acorda e até me faz dormir
E nas letras de sua poesia faz subir ao céu e brilhar pra mim a Estrela da Manhã
Que virá a se abaixar só em Pasárgada
Com Bandeira
(como Bandeira)


É que brilha no céu do meu olhar, Poeta Favorito
E como se me conhecesse há séculos
Descreve-me sempre e revela a todos os meus segredos em massa
Mas tudo bem, não me importo
Tens comigo carta branca,
Pois és simplesmente meu Poeta Favorito novamente,
Imortal e Querido Bandeira.


H.Reis em simples homenagem aos 125 anos que Manuel Bandeira estaria fazendo hoje.

sábado, 16 de abril de 2011

Ode à ''Não Ida à España''

Ó, España querida, não me verás por agora,
Pois te perdi pra um poema.


Ó, Reis Católicos, não visitarei seus túmulos ou mausoléus nesses tempos,
Perdi-os pra um poema.


Ó , Plaza España, não respirarei teu ar da manhã ou da tarde
E nem a noite me acolherá, pois a perdi pra um poema.


''Mis desayunos''* serão por aqui mesmo.
''Galletas?''** Nem pensar! Foram comidas por um outro poema.


Granada e sua Alhambra imortal não me verão entrar por suas portas triunfais.
Pois um poema entrou antes e fechou-as pra mim.


Fiquei do lado de fora, do lado de fora de mim, do lado de fora de España.
España que agora tenho nas mãos, España que agora pra mim é esse poema.

E só.


H.Reis



*Mis desayunos : Meus desjejuns
** Galletas : Biscoitos

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Sonho Ladrão

Perdi um poema. Tive uma inspiração na hora de dormir.
Hora de dormir é hora de dormir, o poema que durma junto se quiser.

A inspiração vazou pelos poros dos meus sonhos e foi se alojar no inconsciente.
Inconsciente que não consigo mais alcançar.

E então, pra não perder o papel, o fio da meada e o poema, escrevo esse sobre a inspiração perdida pro sonho.

Sonho ladrão de poemas, sonho ladrão de almas.
Sonho que me inspira a escrever poemas pra perdê-los novamente.
Sonho, não sei que juízo fazer de ti.

H.Reis

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Simultaneidade de Bandeira Oculta

Era começo de namoro. Ano de 1968, sabe como é. Gente discreta e recatada. Sabiam pouco um do outro.
Os dois liam Manuel Bandeira, o poeta morto naquele ano. Nenhum dos dois tinha ideia da leitura do outro. Então, no dia em que ele sentiu uma intimidade maior, disse:

-Você não é Antônia, mas parece uma lagarta listrada.

Ele não esperava que ela entendesse, respondesse ou desse importância. Mas ela surpreendeu:

- Uma lagarta listrada que usa o sabonete Araxá.

E então os dois deram as mãos e saíram em passos leves pela Rua da Constituição, onde Misael havia matado Maria Elvira (que vestia um organdi azul) com seis tiros.

H.Reis

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Ambiguidade Clássica

São sete as artes.
São sete os pecados.
Logo, arte é pecado ou pecado é arte?

Vejo um poema jogado em cima da cama.
Cansado, ofegante.
Luxurioso poema.

H.Reis