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quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

O fim do fim do mundo

Decretaram o fim do mundo!
Matem suas paixões
Queimem todas as cartas
Tripudie em cima do amigo traído.

Decretaram o fim do mundo!
Desmarquem todos os médicos
Deem adeus aos salões de beleza
Parem de estudar

Não queiram mais justiça
Nem mais amor
Nem sexo
Fim.

E depois, no outro dia
Se o mundo resistir ao decreto
Chorem as cartas queimadas
Lamentem a perda de suas paixões
Tentem reconquistar o amigo traído duplamente

Estarás doente, estarás desarrumado, e os deveres da escola por fazer
Mas perdoado também estarás.
Pois até ontem estava decretado o fim do mundo.

Os injustiçados mais ainda assim estão
E você? Você sem amor, sem gozo, sem vida.

Puro começo.
Vejo no fim do fim do mundo um recomeço pro que estava inacabado.

Re-começo.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Virei adulta de uma chuva pra outra

Comprei uma sombrinha e virei adulta! Simples assim.
Não sei se faz sentido, se bate ou confere com a ideia de ''gente grande'' que você tem. Mas eu vou explicar a minha e você vai entender o fato de eu ter saído da adolescência e entrado na fase adulta por menos de vinte reais.

Quando eu era pequena e andava com alguém sempre mais velho e responsável que eu ao lado, e começava a chuviscar, a pessoa tirava uma sombrinha ou um guarda chuva da bolsa e pronto. Estávamos todos protegidos contra os pingos celestes.
Eu cresci e comecei a andar sozinha, ir de um lugar ao outro sem companhia, sair e pronto... me vi sempre pegando chuva.
Tinha que ligar pra alguém( leia mãe ou pai) me buscar de carro, me dar carona de sombrinha e sempre me dar uma bronca básica:

- Como é que você sai de casa sem sombrinha, Helena?

E minha desculpa era sempre:

-Eu não tenho!

Mas um dia, sem querer, eu tive!

Havia ido fazer companhia pra minha irmã, que estava indo à Feira dos Produtores comprar ração pro gato ( ?). E do nada, sem motivo ou desmotivo, começa a chover. Nós, lá dentro, com a mesada recentemente recebida e querendo arrumar desculpa pra comprar alguma coisa, tivemos que comprar sombrinhas.
Foi a maior animação pra escolher a que mais combinava com cada uma de nós. Parecíamos crianças escolhendo sorvete pela cor. E compramos.

Ao sair da Feira, uma sensação estranha, adulta e adúltera me invadiu. Era como se eu estivesse traindo a minha infância. Minha irmã e eu (duas eternas crianças companheiras) sozinhas na rua, na chuva e com sombrinhas? Isso não entrava na minha cabeça.
Se fôssemos mais novas, estaríamos sem dinheiro, e iríamos embora na chuva, encharcadas e pisando forte nas poças recém-formadas. Morrendo de rir.

Mas não. Viramos adultas de uma hora pra outra e sem perceber. E agora eu ando com essa sombrinha dentro da bolsa. Ela parece sombra, vai comigo pra qualquer canto.

Um dia eu ainda faço uma pirraça. Finjo que não a vi no fundo da mochila, pego o celular e ligo:

-Pai, vem me buscar! Tá chovendo aqui. Eu ainda sou criança.

H.Reis

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Releitura de ''Destinatário Ausente''

Grafite: ameaça vil ao verso que não quis acordar.

A tua morada? Oceano frio que sonho em tocar as pontas.

Os meus olhos ainda entornam a ponta estragada, sem cor.

E você, que pinta de asma essa ponte sem resto de humor?

Teu corpo que nem me emoldura com os braços

e reduz ao afago sem tinta o meu tão querido quadro

Sonha, estremece, mergulha e se embebeda

de águas que afogam mil versos de sequidão.

O pôr-do-sol em tuas narinas : sente-se e sinta-se como tal.

Esta rotina rotina rotina te amarela, tão espaçosa que expulsa o verso para abaixo dali

Você é completo, abusivo. No mais alto teor de comparação.

Mergulha cego no raso da vida.

Convicto da TV que vela teu sono: és tu apenas um brilho.

Leitor? Leiturista : você só serve para uniformes, letrista.

Nu está que nada o desgelo da poesia.

Mas a nudez só traja as almas frágeis.

A pureza dessa água só bebe a imagem de corpos vazios, tão cheios de ocaso quanto a própria rosa do instinto

A eternidade fez questão de morrer em você,amigo.

Você dorme enquanto estremeço, esqueça!

Não passamos da prosa de um circo:

Escrevo para as almas que dançam conforme o hino do Abismo.

( Releitura de Moisés Paim, poeta, poeta, poeta. Namorado, amigo, menino, homem. Eternamente Poeta)

Destinatário ausente

Nada é favorável à minha escrita, ao meu poema.
O papel acabou.
A tinha secou e o lápis quebrou.
E você,leitor?
Você não quer ler, você é preguiçoso e relutante.
Você põe fim ao meu poema sem que eu o autorize.
Você boceja, você levanta, se senta e pede um drink.
Voce reluta a ouvir o que grito.
Você não sente, leitor.
Você tem afazeres mais importantes. Tão importantes que nem tarefas são.
Afazeres te soa melhor.  Palavra mais difícil, rara e bonita.
Você tem seus afazeres.
Afazeres seus que são lavar o carro.
Levar a TV ao conserto ou comprar um terno novo.
Não se vista, leitor.
Vestir-se pra quê? É só um conselho que lhe dou.
O linho não terá orgulho de vestir alguém tão vazio.
 O espelho não terá prazer em ver despir-se alguém tão cheio de nada.
Não perderei mais meu tempo a dar-lhe conselhos, leitor.
Você não está lendo isso.
Pois então, eu estou escrevendo pra quem?

H.Reis

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Certezas

Se vejo teu rosto em meu umbigo
Se sinto suas vestes em minhas curvas
Ou se quando só, sinto seu cheiro vagar e divagar...
Não duvido mais

Não duvido mais
Que serei sopa que tomarás de garfo ou faca
Mas os talheres não me importam.
Tomarás!

Não duvido mais
Que seremos a música em silêncio
Que dançaremos a qualquer hora
Em qualquer espaço..

Não duvido mais
Que serás trapesista
A desfilar, a pisar e repisar meu corpo
A tatuar minhas costas

Se todas essas certezas me fazem ser tua
E te fazem ser meu
Não percamos tempo

''Vem viver comigo,
Vem correr perigo
Vem morrer comigo''

Por que viver o amor é começar a morrer.

H.Reis

sexta-feira, 16 de março de 2012

Presente

Não escolherei morrer de qualquer outra coisa
Hoje
que descobri o amor

Não escolherei mirar qualquer outra coisa
Hoje
que encarei seu olhar

Não ousarei tocar qualquer outra coisa
Hoje
que despi teu corpo

Hoje, hoje
que quero vive-lo somente e sempre

O amanhã não me importa,
e o ontem...

O ontem é obra de um passado onde não existia seu amor,
Seu olhar
Ou seu corpo.

H.Reis

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Criança é fogo!

A Bala Sem Bola

Edu vinha tendo problemas com açúcar. Comia doce demais. Ia pra casa da avó, ela dava bolo, balas, chocolates e tudo mais o que ele pedia. Fazia seu papel de avó: estragar o neto.

Ele então voltava pra casa todo caprichoso, comparando a casa dela com a nossa.

- Na casa da vovó tem doce toda hora. Ela me dá! e fazia cara ruim.
-Eduardo, aqui não é a casa da sua avó. E exatamente por que você tem comido lá, que vai parar de comer por aqui. Vai acabar doente se comer doces todo o tempo.

Ele não se conformava. E eu realmente nem esperava que se conformasse, pois tinha cinco anos e estava na idade de querer muito açúcar.
E lá vinha ele todo dia pedindo de novo. Era só terminar de almoçar.

-Mamãe, tem chiclete?
- Não, Edu. Chiclete dá cárie. Ninguém aqui tá querendo isso. Tem gelatina de sobremesa. Muito mais gostoso e saudável, eu mentia sobre a parte do gostoso. Por que desde criança sempre fui apaixonada por chicle.

Ele fazia cara ruim de novo e dizia.

- Tô doido pra chegar o dia de ir pra casa da vovó! Aposto que lá vai ter um tanto de doces me esperando. Vai ter muito chiclete pra eu fazer bola. E eu vou comer uma caixa de bombom so-zi-nho. Ele fazia questão de falar bem claro, me afrontando.

Esse exagero em dar para a criança tanta guloseima assim, me fazia querer ir lá na casa da minha sogra conversar sobre isso, e pedi-la que não o fizesse mais. Pois Edu estava ficando mal acostumado e até grosseiro comigo. Mas conhecendo a sogra que tenho, ela diria que isso é uma intervenção na educação que está dando pra ele. Achei melhor nem tentar. Deixaria a velha exagerar lá e seria rígida em minha casa. Sem discussão.

Até que me lembrei, de súbito, que quando eu era criança e estava lá pelos meus sete anos, também era muito viciada em doces fabricados. Meu pai tentava fazer-me comer mel para matar a vontade dos doces, mas eu não gostava e nem queria. Então, um dia, ele chegou em casa com um pote del mel meio anormal. Havia alguma coisa grande e inteira mergulhada ali. Era o favo. Eu nunca tinha visto nem ouvido falar. Mas papai chegou dizendo que era chiclete de mel. Me deu pra provar e eu adorei. Realmente dava pra mascar como um chiclete normal, mas perdia o doce logo. Só que esse problema era logo resolvido. Uma colher de mel na boca e lá estava o doce de novo. O outro problema sem solução era que não dava pra fazer bola com o favo do mel. Mas eu não ligava e continuava mascando.

O plano do meu pai comigo deu certo, por que não daria certo com Edu? No mesmo dia, comprei o mel com favo e guardei. Era surpresa.
Depois do almoço, Edu, que já entendera que não tinha doces como na casa da avó, nem perguntava mais. Comia gelatina ou qualquer outra coisa sem resistir. Antes de o servir de sobremesa, eu disse:

-Edu, tem chiclete.

Ele abriu os olhos surpreso.

- Verdade, mamãe? Me dá?

Fui ao armário da cozinha e voltei com o pote de mel. Ele olhava com estranheza eu cortar o favo. Coloquei bastante mel e pus na boca dele. Que mastigava feliz e assustado. Mas não dizia nada.
Saiu andando pela casa, saboreando a guloseima nova. E eu disse:

-Quando o doce acabar, pode vir aqui que a gente resolve isso.

Eu só tinha medo da pergunta sem resposta. Eu sabia que ele faria pois era curioso e perguntão, mas não sabia a resposta que daria. E sem resposta, ele não ia querer mais do ''chiclete saudável'' e tornaria a falar que ''na casa da vovó é melhor''.

Eu juntava os pratos da mesa, quando escuto um grito lá de dentro:

-Mamãe, como é que faz bola com esse seu chiclete?

Criança é fogo!

H.Reis

sábado, 14 de janeiro de 2012

Geneticais

Hipertricose auricular
Condição genética descrita nos livros de biologia
Dos biólogos e cientistas curiosos
Localizada no cromossoma Y

Mas na boca do povo e até do branco sabido,
Isso é ''cabelo na orelha'',
E todos os filhos do cabra, mesmo as meninas
Vão ouvir quando criança:
''Cuidado.Quando crescer, vai ter cabelo na orelha igual seu pai.''

H.Reis

(Paródia do poema ''Pronominais'', de Oswald de Andrade.)

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Gota de Limão News

Gente, tô com um blog novo!

Não tem nada a ver com esse, tô escrevendo sob um outro olhar.
Meu novo blog é o Crise aos 18! Em parceria com uma amiga, a Amanda!
Lá vocês encontram dicas de roupas, maquiagens, esmaltes e muito mais.
Ainda estamos começando, mas vai bombar!
Beijos pra vocês, minhas donzelas e cavalheiros queridos.

H.Reis

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Nossa casa, nossa cama, nosso presunto

Eram só ela e o gato. Viviam numa pobreza de encher os olhos e o coração de dó; na casa vazia de móveis, de pintura, herdada pela mãe dos dois. Sim eram irmãos. Haviam sido criados assim. Se tratavam e se amavam como tais. E assim em como toda relação de irmãos, havia brigas, picuinhas e picardias de um com o outro.

O Gato, por exemplo, quando era irritado pela Moça, fazia xixi atrás do sofá só para retrucar a irritação. Ela, por sua vez, ficava uns três dias atrás do lugar onde estava o mal cheiro; e durante esses dias de procura, eles não se falavam. Até que ela descobriu que a imaginação dele era limitada e ele só usava o mesmo lugar para fazer o tal xixi que a irritaria três dias depois.

O dia-a-dia era rotineiro. Ela trabalhava numa padaria que ficava bem longe de casa e enquanto ela trabalhava, ele tomava conta da casa dormindo. Ela chegava cansada, sentava logo no sofá que ele arranhava a toda hora e deixava que ele a tirasse os sapatos; e depois, lambesse seus pés como num banho de gato.
Os dois jantavam juntos sentados à mesa e depois iam dormir. Só havia uma cama. Também dormiam juntos.

Numa quinta feira cinzenta que nada havia de mais, a Moça foi elogiada pelo dono da padaria. Ele a disse que ela era muito dedicada, pontual e simpática com os fregueses. E que, por isso, a daria um pedaço inteiro de presunto de presente. A Moça só faltava pular de tanta alegria, mas nem sorrir mais que o normal ela podia, pois o patrão havia pedido segredo. Por que se algum outro  funcionário ficasse sabendo, poderia ficar chateado. Mas era claro pra ela e pra ele que o presunto dado não era só um presente pela boa conduta no trabalho. Ele tinha uma queda bem discreta pelas curvas da Moça. Isso todo mundo já tinha percebido.

A Moça chegou em casa como sempre cansada e nesse dia, com mais um peso na bolsa: o pedação de presunto plastificado. Não adiantava esconder. A coisa cheirava longe e chegando no bairro, todos os vizinhos deram um jeito de sair à porta ( os mais indiscretos) ou à janela para ver quem trazia a peça rara. Antes das lambidas rosas do Gatinho, o focinho dele foi fuçar outro lugar: a bolsa dela.
E foi inexplicável o que os olhos dele deixaram ver. Era uma alegria, mas uma alegria de gente. Ele já havia sim comido presunto, mas só uma vez quando a Moça o deixou na casa de uma tia rica para ir tratar de umas coisas num lugar longinho. O Gatinho lambeu-se todo, pulou alguns centímetros e começou a rasgar o plástico que envolvia o tesouro numa agitação que só. A Moça estava adorando observar a alegria dele, mas teve que parar para ir proteger o presunto, ou ele acabava aquela hora mesmo no estômago do irmão.

A Moça, mesmo morrendo de vontade de comer o trazido, deixou para apreciá-lo pela manhã; onde o sol também apreciaria o banquete. Se eu disser aqui que os dois irmãos nem conseguiram dormir direito por causa de ansiedade, vai parecer mentira. Mas quem sou eu para inventar coisas? Só conto o ocorrido e pronto. Dou, no máximo, uma pitada de humor nas histórias que me atrevo a narrar. Mas esse fato engraçado é inerente da história.
Ela custou mesmo a pegar no sono, e quando conseguiu, sonhou que conversava com o pedaço de carne rosa e o dizia que mesmo ele sendo tão bonitinho e lustrado, ela o comeria sem dó. O sonho do Gato já foi mais ousado: sonhava que o pedaço de presunto tinha pernas que só serviam para correr dele, se cansar e depois se render ao Gatinho deixando-se ser despedaçado.

A manhã do dia chegou e a primeira coisa a ser feita foi fatiar o pedaço de presunto. Ela,coitada, sem muito jeito, cortou fatias grossas, finas e até machucou o dedo com a faça. Separou única a travessa de louça que tinha, que ficava na mesa da sala( era o único enfeite da casa), lavou-a e espalhou ali o pedaço de carne cor-de-rosa recém fatiado. Sentaram-se os dois á mesa como sempre, e ficaram um olhando nos olhos do outro. As bocas, já cheias de água pela vontade, passavam a responsabilidade para os olhos; que ficavam agora como os de crocodilo ao ver algo apetitoso. Cheios d'água.

Comeram sem saber comer. Ela se preocupou em não deixarem-se comer tudo, pois queria sentir daquele prazer outra vez; quem sabe à noite ou no outro dia. Mas a hora havia passado. Ela olhou o relógio e já havia se atrasado 15 minutos. Foram os 15 minutos em que ela comeu sem saber comer e sem lembrar que o tempo existia, ou era marcado pelo relógio. A Moça correu até a porta com a bolsa no ombro e nem lembrou-se de trancar a fechadura, devido ao desespero que a pegou. Como chegaria no trabalho tendo sido presenteada em segredo pelo patrão pela boa conduta? Não conseguiria. Foi isso o que pensou, mas iria mesmo assim. Seria despedida se preciso fosse, mas não se ia se render aos 15 minutos perdidos.

Chegando no ponto onde passava a condução, a Moça lembrou-se , para a sua infelicidade, que havia se esquecido de guardar o restante do presunto. Desesperou-se mais. Ficou no empasse: Ir para o trabalho assim mesmo, ou deixar o Gato comer tudo? Não, não podia. Mesmo tendo um amor enorme pelo irmão que a mãe deixara, o presunto era presente seu, ganhado com seu esforço(e suas curvas) pelo patrão na padaria.

A Moça, indignada com sua displicência dupla, voltou pra casa. Abriu a porta que havia esquecido de trancar, e foi direto para a mesa da cozinha onde havia deixado seus dois tesouros: o Gato e o fatiado cor-de-rosa. Só um deles estava lá. Em cima da mesa como ela havia deixado: O Presunto. E o Gato? Ah, o Gato. Estava ele lá, deitado no lugar de sempre, com um olhar de satisfeito E mais: com um olhar que dizia á Moça: ''Somos irmaõzinhos.Eu nunca comeria esse presunto sem você.''.

domingo, 18 de setembro de 2011

Sábado à tardinha

Num sábado à tardinha a gente fica com vontades..

Se quer ter um gato
E também um cachorro.

(Se quer poder começar frases com pronomes.
Saiba: agora é uma tardinha de sábado.)

Se quer mais...se quer um amor
Um amor pra ir dormir, pra ver acordar
Pra ver a beleza e compartilhar as feiuras invisíveis
(Pois quando se está amando as coisas feias desaparecem)

Se quer ser escritor
Inventar uma história ou contar a sua
Se quer personagens pra brincar

Num sábado á tardinha
Quer poder se tocar, coçar
Quer ver o tempo parar
Mas é aí que se acorda.
Pois o tempo não pára.

O tempo vai junto com a vontade e a tardinha do sábado caprichoso.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Mulher

No silêncio da mulher amada existe o ódio latente.
O ódio de não ter sido amada antes;
Do medo do amor não continuado...
Concluído.

Na preocupação da mulher mãe
Há o choro dela,
Ela criança, ela bebê...
Que quer ser cuidado, amamentado
Mas que foi esquecido por um só  momento,
Cresceu e virou progenitora

A mulher meretiz tem as pernas que se abrem quentes...
pulsantes, roliças.
Mas estão gastas.
Nunca mais puras, nunca mais intactas pelas mãos do mundo.
E a meretriz ignora a poesia de seu corpo; a poesia de seu ato
E o faz repetir vezes por dia, sem sentimento...
Ela não sabe o quanto é poética, o quanto é essencial para a percepção do belo.

És tu, Mulher, tudo isso.

Uma amada mãe meretriz
que traz o mundo nas pernas
e no coração o sentimento da humanidade
que merece cuidado
mas que chora o mesmo pranto desde seu nascimento.

H.Reis

sábado, 13 de agosto de 2011

Tão simples

É que é a é vida tão simples

Como colocar os óculos e senti-los encaixar no óleo das têmporas;

Como ver um cachorro coçar sua orelha esquerda e depois olhar pra baixo, pro chão.


O que a complica são outras coisas;

Como os óculos, mesmo na oleosidade macia dos lados, não encaixarem nas tais têmporas

Ou como quando o cachorro, ao olhar pra baixo, vê que da orelha que coçou há pouco, caiu uma pulga espertalhona

Aí as coisas complicam.

Pois agora os óculos entram forçados

E a pulga tem que morrer e o cachorro se cansar.


A morte é tipo isso.

 A complicação, a decepção e o fim das coisas simples.

H.Reis

quarta-feira, 13 de julho de 2011

O preço do tempo

Três meninos passam com três pipas na mão
Três pipas? Três sonhos? Não.

As pipas que vão ao céu levam junto os sonhos do meninos
Sonhos bobos amarrados nas rabiolas coloridas
Sonhos que ficam grandes e magníficos ao encontrarem a imensidão

Imensidão nem imaginada na cabeça dos três meninos ou das três pipas.

E daqui há alguns anos? Sabe-se lá onde estarão os meninos, onde estarão as pipas.
Daqui há alguns anos os meninos hão de ter crescido, hão de ter largado as pipas.

E quando passarem, atrasados para o seu serviço, e verem cair, ao seu lado, uma pipa de criança
Os meninos, hoje homens, vêem ali seus sonhos caídos.
Seus sonhos que um dia alcançaram a imensidão do céu da infância
Mas que agora não alcançam nem a sua altura.

H.Reis

domingo, 10 de julho de 2011

Quem?

Se você tem um chapéu, um cigarro e um copo
Se você tem uma casa, um chão de terra e muito amor pra dar
Se você tem a si mesmo, tem a cidade, tem o pó que o carro levanta ao passar devagar

Se você tem olhos claros, negros, ou indecisos
Se você tem olhos quaisquer para ver minha beleza inexistente

Se você tem nariz grande, fino ou indeciso
Se você tem um nariz qualquer para sentir meu corpo-cheiro

Se você tem lábios grossos, retos ou divididos
Se você tem lábios e língua pra dizer que me ama.

Se você é esse alguém...
Não tenha dúvidas.
É com você que eu vou ser feliz pra sempre.

H.Reis

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Imposição

E se seu nome todavia não regesse toda a minha vida,

Eu o inventaria

                                        Eu o faria importante

                                                                                                                                             Eu o faria infinito.

E fim.

H.Reis

terça-feira, 28 de junho de 2011

Poesia Involuntária

A menina escreveu um poema com a naturalidade em que se coça a sola do pé.
A sola do pé virou poema,
E a menina, poetisa.

H.Reis

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Poema-Perdição

Inspiro-me,
                                                             distraio-me,
e por isso

não escrevo.
E perco o poema.


Inspiro,
                                                                   expiro,
respiro.

Nem que quisesse perderia a respiração.

Quem sabe talvez se a prendesse, assim como não posso fazer com minha inspiração poética.
Quem sabe assim eu a perdesse.
Mas se prendesse a respiração, mataria-me.
E então seria eu uma mulher morta ou uma poetisa?


Nada disso.
Seria eu uma inspiração para uns próximos poetas.

H.Reis

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Desabafo de uma Louca

Tenho vícios fracos, não sou concisa e como poderia, desse modo, ser equilibrada?Em minha prolixidade os sentimentos encaixam-se na bagunça e excesso de palavras.

Se te amo, amo por excesso, nunca por falta ou perda de um pedaço do meu sentimento, pois eu sei exatamente onde ele se encontra.

H.Reis

O Sofá Amarelo

Titia Eulália não saía daquele estofado amarelo desbotado e se perguntada o por que, a velha dizia sempre na mesma irritação:
- Foi presente de papai no dia de meu casamento. Não me desfaço dele! Tem valor sentimental.
E todos aceitavam, achavam ser mais uma daquelas manias de gente da idade de titia Eulália. Não tenho certeza, mas devia ter ela lá pros seus 78 anos.
Havia tido uma vida sofrida, perdeu dois filhos ainda no ventre, o marido fugiu com a vizinha para depois voltar com uma mão na frente outra atrás exigindo abrigo de pronto; e ela, como muito apaixonada que era por Tio Eustáquio, perdoou-o e o acolheu imadiatamente. E recentemente sua casa havia sido levada por uma enchente devastadora que quase a matou; mas acabou matando, decisivamente, Vênus, seu cachorrinho adestrado.
Nunca havia sido bonita. A verruga que trazia no pescoço desde que nascera a enfeiara para sempre. Era uma sina eterna, já que ela tinha aversão à dor e nunca se dispôs a ir ao médico tentar tirar aquela coisa. Chegou uma vez, no auge de uma bebedeira, dizer que era seu charme e que titio adorava. E foi naquele dia que tive pra mim que ele a havia deixado exatamente por aquele pedaço de pele morta e negra incrustada em seu cangote.
Os filhos eram um desgosto só. Maria João foi ser mulher da vida na capital, que lá era mais comum. Dois meses depois, titia recebia uma carta do cafetão da menina dizendo que ela havia pegado doença de mundo, caído de cama três dias e falecido logo em diante. João Maria, o outro filho, era o único em que ela depositava esperança, mas foi só ele se apaixonar por Elvira para sumir com ela Rio de Janeiro abaixo. Notícias dele nunca mais.
E titio Eustáquio descobriu um câncer de fígado, coisa já esperada, pois o velho sempre havia bebido todas e mais algumas. Morreu, sem ter parado de beber sequer um dia, um ano e seis meses depois da descoberta fatal.
Enfim, Titia Eulália ficou só e veio morar aqui em casa. Éramos os únicos da família aqui no Rio, e mamãe, sempre muito hospitaleira, acabou acolhendo-a sem pensar duas vezes.
Chegou aqui sem mala, nécessaire ou coisa do tipo. Só vinha com um negrinho forte atrás dela que trazia nas costas o velho sofá amarelo ‘’ que foi presente de seu pai e ela não desfaz por nada, tem valor sentimental.’’
Já fazia sete meses que estava aqui, ou melhor dizendo, naquele sofá amarelo. Não fez questão de ter uma cama, disse que só queria dormir naquele sofá.
Tomava banhos rapidíssimos, quase não usava o banheiro e quando escovava os dentes era no quarto onde ficava seu sofá. Não tirava o olho daquilo.
Todo mundo já estava estranhando aquilo, mas ninguém questionava ou incomodava com aquela esquisitice.
Veio então o dia em que titia Eulália teve um ataque de febre fulminante, não conseguia nem andar e então tivemos que chamar o médico.
Doutor Oliveira não nos deu esperança, disse que ‘’essa senhora está morrendo de velhice. Só os resta esperar’’.
Mamãe foi logo poupando os gastos para pagar o caixão da velha.
Até que duas semanas depois, nossa titia empacotou-se.
O velório teve de ser em seu quarto, já que ela havia implorado que só queria sair do sofá para ir direto pra debaixo da terra e se pudesse queria ser enterrada com tal o objeto de adoração.
A casa encheu-se de parentes, vizinhos e amigos lá de onde titia morava. Velhas chatas e inconvenientes brotaram lá em casa para dar o último adeus. Até que uma veio conversar comigo, vendo que eu não estava triste o bastante para ser sobrinho da defunta.
-Você não vai sentir falta de sua tia? Não parece triste.
-Ah, vou. Mas confesso que pouca. Titia passava a maior parte do tempo deitada ou sentada nesse sofá desbotado. Alisava, limpava, conversava e até beijava o pobre.
A amiga da falecida comoveu-se:
- Verdade mesmo? Fico tão feliz que Eulalinha (as velhas amigas a chamavam assim) tenha gostado desse sofá que lhe dei. Eu não dei zero bala, até por que não tinha condições, mas foi de coração. Não sabia que ela havia pegado tanto apreço nesse sofá.
Eu estranhei:
-A senhora foi quem deu esse sofá pra titia? Mas ela vivia dizendo que foi presente do pai dela, de casamento, que tinha valor sentimental.
-Ah, sua tia já não estava boa dos miolos quando veio pra cá. Fui eu quem deu pra ela de presente quando a enchente levou a casa dela.
Não discuti, se levasse a conversa pra frente insistindo que o sofá havia sido presente de vovô, a velha senhora poderia ficar ofendida, pensando que eu a julgava louca.
O velório seguiu a madrugada, o enterro foi pela manhã no cemitério municipal e eu resolvi não ir. Ficaria em casa para desvendar o ‘’mistério do sofá amarelo’’.
Logo depois de todos saírem, fui direto para o quarto que agora não tinha mais dono. Cheguei perto do estofado que fedia a gente morta há poucas horas(se é que existe esse cheiro) e o toquei com nojo. Observei durante alguns longos minutos o objeto em minha frente e não percebi nada de diferente. Fui, frustrado, esperar todos voltarem do cemitério.
Mamãe, exausta, chegou em casa e foi direto para o ex quarto de titia. Abriu as cortinas, levantou a cadeira da escrivaninha e soprou o pó do canto da janela.
Cansada, sentou-se, sem maldade, no sofá da defunta e sentiu, na nádega esquerda, uma espetada profunda. Chamou papai que, sentando em outra parte do móvel, espetou a nádega direita.
Estranharam, fecharam a testa num ato de espanto e tiveram a ideia de destruir o sofá para descobrir o que tinha ali dentro que espetou as duas bundas naquela brusca profundidade.
Assisti à destruição. Aquilo sim me pareceu o enterro de titia Eulália, pois estavam dando cabo na coisa única coisa que ela tinha e que mais adorava na vida.
Depois de muita espuma barata ter sujado o chão do quarto, papai tirou de lá de dentro, numa surpresa unânime, um diamante enorme, lapidado, com uma ponta fina que parecia até ferramenta de tortura da Santa Inquisição. Absurdado e sem dizer palavra, papai continua a ‘’cavar’’ o sofá e encontra ali mais uma pedra idêntica no tipo, mas um pouco menor.
Havíamos então descoberto o por que do apego de titia Eulália pelo sofá feio e desbotado: o amor dela pela fortuna oculta amortecia as espetadas dos diamantes lapidados em suas nádegas murchas.
H.Reis

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Momento Graciliano

Heloisa e Graciliano Ramos


''Dizes que brevemente serás a metade de minha alma. A metade? Brevemente? Não: já agora és, não a metade, mas toda. Dou-te a minha alma inteira, deixe-me apenas uma pequena parte para que eu possa existir por algum tempo e adorar-te.''

(Cartas de Amor a Heloisa - Graciliano Ramos)

sábado, 4 de junho de 2011

Imersão

E depois que bebeu,
na única taça que tinha,
seu vinho caro,
velho
e quase doce,
o poeta entrou em devaneios.

Riu da mulher que viu morrer no meio-fio.

Tripudiou em cima do marido traído.

Sentou-se à escrivaninha de jacarandá
e percebeu que a única coisa que sabia
era escrever.

''- Viver a vida é coisa muito difícil''

E começou um novo poema.

H.Reis

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Momento João Cabral


Difícil Ser Funcionário

Difícil ser funcionário
Nesta segunda-feira.
Eu te telefono, Carlos
Pedindo conselho.

Não é lá fora o dia
Que me deixa assim,
Cinemas, avenidas,
E outros não-fazeres.

É a dor das coisas,
O luto desta mesa;
É o regimento proibindo
Assovios, versos, flores.

Eu nunca suspeitara
Tanta roupa preta;
Tão pouco essas palavras —
Funcionárias, sem amor.

Carlos, há uma máquina
Que nunca escreve cartas;
Há uma garrafa de tinta
Que nunca bebeu álcool.

E os arquivos, Carlos,
As caixas de papéis:
Túmulos para todos
Os tamanhos de meu corpo.

Não me sinto correto
De gravata de cor,
E na cabeça uma moça
Em forma de lembrança

Não encontro a palavra
Que diga a esses móveis.
Se os pudesse encarar...
Fazer seu nojo meu...

Carlos, dessa náusea
Como colher a flor?
Eu te telefono, Carlos,
Pedindo conselho.

(João Cabral de Melo Neto influenciado por Carlos Drummond de Andrade)

Postado por H.Reis

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Felicidade

Cidade pequena é assim.
Solta pipa, compra pipoca, vê menino correr perigo.
Carro vem, carroça chega e se encontram na esquina.
O dono do carro diz:
‘’Ô, sangue bão!’’
O carroceiro responde:
‘’Ô, meu irmãozinho!’’
E seguem a vida em frente na estreita estradinha.

Pé no chão, nas pedras da rua principal,
E o menino corre de baixo a cima, de cima a baixo;
Vendo sua pipa cair,
Vendo a menina bonita passar,
E a vida passar junto com ela.
E assim já perdeu a pipa,
Mas a menina continua lá,
E a vida mais viva ainda está
Na cabeça e no coração do menino.

A menina bonita que passa
Sente o vento lamber os cabelos
E as pernas que o pai não deixa mostrar.
Mas as pernas são exteriores;
Sentem as delicias das ruas,
Mesmo que dentro das saias.
- "Papai não sabe de nada!"

A dona de casa saiu da feira,
E vai passar na costureira
Pra encomendar vestido pra filha mais velha que vai se casar.
A dona de casa vai fazer a festa
Feijoada, torresmo, doce de leite
E pra beber? Cachaça ardidinha que não há melhor
Pra festejar? Não o casamento
Casamento é pretexto.

Vamos festejar o carro, a carroça
O menino, a pipa
Vamos festejar a menina, as pernas, as saias
A dona de casa e seu amor pelo amor
Vamos festejar a vida que sopra no coração
dessa cidade pequena.

H.Reis