Páginas

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Prosa e poesia

Prosa não consigo mais.
É como um pássaro que acena,
E vai embora,
Deixando saudades imensas.

Deixou um filhote,
Um filhote que sabe voar,
Mas não lembra.
Um filhote estático no galho.

O pequeno olha ao redor.
Vê seus irmãos alçarem vôos.
Dos mais lindos aos fracassados
Mas são vôos, são prosas.

Agora sei que prosa não é vôo
É contemplação, é assovio.
Meu pequeno voa por dentro,
Na mais linda poesia.

H.Reis

domingo, 28 de novembro de 2010

Com licença*, José Paulo Paes e Vinícius Reis

A Casa

Vendam logo esta casa , pois está cheia de espíritos maus.

Na cozinha, há uma feiticeira que faz poções venenosas.
Na copa, uma criança segura um prato fundo sempre a esperar um mingau.
Na biblioteca, um avô lê seus poemas feitos na adolescência.
Na sala de estar, uma louca adotada aperta incessantemente as teclas pretas do piano.
No quarto azul, um bebê chora mágoas das vidas passadas.
No quarto cor-de-rosa, a avó relê o caderno de receitas que nunca usou.
Na sala de visitas, o jardineiro lembra triste das flores que morreram ontem.
No porão, a mãe chora pelo amante que morreu na 1ª Guerra.
Na varanda, uma pomba jaz.

A pomba era da criança que está na copa. Seu estômago ronca mas não dorme. Fica acordado à espera do mingau.
Vendam logo essa casa, vendam-na depressa ou despeçam a feiticeira, senão a criança jazerá. Jazerá como a pomba, que morreu de fome, fome de bondade, fome de paz, fome de vida.


H.Reis

*licença poética

sábado, 27 de novembro de 2010

A culpa é do Tempo

Num segundo acontece tudo que a História reprimia.
Num segundo toda a humanidade esquece príncipes,
Num segundo Napoleões não existem mais,
Num segundo Ana Bolena vive como Catarina.

Num segundo Hitler esquece judeus,
esquece sudetos, câmaras,
esquece canhões, tiros e inconvêniências,
esquece de matar.

Num outro segundo bem próximo,
Stalin joga um carteado com Lênin;
Fidel solta as rédeas da linda Cuba,
cubanos livres!

Numa junção de segundos suspensos,
Africanos se esbaldam em banquetes naturais;
Coreanos são todos amigos, sem distinção;
Europeus deixam de ser belicistas;
Americanos esquecem metrópoles.

Mas , o problema é que,
Essa ''junção de segundos suspensos''
pode vir a ser um minuto.
Um minuto é muito tempo
Pr'um humano pensar só em delícias.

Um minuto corrompe o homem;
Vê a vida feita de segundos?
Não, pois existe o relógio;
O relógio que marca um minuto.

Um minuto já faz a História;
Já faz a má História;
A sangrenta História;
A nossa História.

H.Reis

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Morre-se uma vida

Antes que o dia arrebente,
Antes que o frio se esquente,
Antes que o cérebro deixe a mente,
Antes que o filho nasça secamente.

Antes que as guerras fiquem na memória,
Antes que a paz deixe a História,
Antes que os maus mereçam a vitória,
Antes que não exista mais nenhuma trajetória.

Antes que a morte vire forma de vida,
Antes que a pele vire comida,
Antes que a terra seja banida,
Antes a verdade se torne falecida.

Antes de tudo e,
Num estalo de dedos,
Num piscar de olhos,
Num beijo de amantes
A vida se transformará,

A vida enlouquecerá,
A vida esquecerá,
A vida abandonará sua condição de vida
E torna-se-á humana.

H.Reis

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

#2

Num tempo em que buscar mais é buscar menos, num tempo em que doar-se não significa nada, eu amo. Eu amo os feios, eu amo os órfãos, eu amo os brutos; eu amo quem não sabe que é amado, mas quem sabe que precisa e que vale a pena viver nesse tempo, nesse tempo feio, bruto e sem pai nem mãe.

H.Reis

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Criança é fogo

Cotinha e a nova vizinha

Em nossa casa tinha um galinheiro enorme que até patos e marrecos se misturavam com a galinhada. Eduardo adorava aquela barulheira, acordava com o cocoricó de manhã e logo ia lá dar milho às aves custosas. Eram muitas as aves, mas Edu, particularmente, gostava mais de uma: Cotinha.

Cotinha era uma galinha d'angola arisca, que vivia correndo e fazendo bagunça pelo terreiro. Edu gostava dela, tenho certeza, exatamente por esse jeito dela que correspondia ao dele, menino arteiro. As pintinhas brancas espalhadas pelas penas pretas o divertia. Várias vezes o peguei, agachado no chão de terra do terreiro,contando as pintinhas da querida pintadinha, mas ele desistia logo depois. Sua inquietude e hiperatividade não o deixavam chegar nem em 15 pontos brancos.

Mudou-se então, nesse tempo, para perto de nossa casa uma vizinha nova; uma moça que havia vindo do Mato Grosso e não tinha parentes por perto.Um detalhe: tinha vitiligo por todo o corpo. Edu e eu, num dia, enquanto voltávamos da escolinha para casa, avistamos a tal nova vizinha sentada no passeio rente ao seu portão. Cumprimentamo-nos, e eu, como sempre quero conhecer quem mora perto de mim, fui tentar puxar assunto e disse:

- Olá, vi que você se mudou pra cá faz pouco tempo. Como é seu nome?

- É, hoje faz uma semana que cheguei aqui. Meu nome é Conceição, mas pode me chamar de Cotinha, todo mundo me chamava assim lá em Campo Grande; sinto-me mais à vontade se me chamar assim.

Eu ia responder á moça, quando Edu, que se encontrava distraído, olhando os passarinhos e os desenhos que as nuvens formavam no céu, quando ouviu o nome familiar, virou-se logo para a nova mulher e disse, cheio de entusiasmo e novidade:

- Cotinha? Nossa, que legal, moça. Minha galinha também chama Cotinha. Vamo lá em casa procê ver ela! Sabia que cê até parece com ela um pouquinho? Essas marquinhas brancas aqui.

Criança é fogo!

H.Reis

Bye, Lets

Queridos seguidores, venho aqui para dar um aviso um pouco triste:
Nossa companheira Lets saiu do GDL. Sim, ela não faz parte mais dos bastidores desse nosso mundo verde e azedo/doce no qual eu escrevo sempre.
Lets continua minha amiga, continua escrevendo e surpreendendo a todos com seu talento que ela insiste em dizer que não existe.
Assim como toda pessoa que vai, vai para algum lugar, Lets também foi, foi para o Livros e Chaves, seu blog novo que promete bastante.
Aqui está o link, entrem lá e aproveitem: http://livrosechave.blogspot.com/

H.Reis

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Casa amarela, menina cega

Numa casa amarela bem velha daquela rua de pedra morava uma menina cega. Todos tinham dó da menina por ela ser cega, por ela não poder ver o mundo, as cores e a natureza delicada de sua cidadezinha.

A menina não sofria por não ver. Ela era satisfeita por poder sentir delícias comestíveis, delícias ouvíveis, tocáveis e olfativas. A menina, na realidade, não via mesmo, mas enxergava. Enxergava mais que muitas pessoas com olhos que viam muito bem. Enxergava o bem e o mal. Enxergava a vida em si, e para isso - muitos de nossos contemporâneos ainda hoje não perceberam tal detalhe - e para isso não se necessita olhos, boca, nariz ou ouvidos. Necessita-se apenas uma alma que saiba amar de verdade.

H.Reis

Lágrimas na estação

No último dia do adeus, da vida, da morte e da borboleta invisível ao meu coração, ele partiu.
Voou ao longe, alçou um voo altíssimo e me deixou;
com a borboleta e o coração na mão.
Os olhos ainda estavam no lugar, mas o trem já tinha comido metade do trilho ferrenho, ferroso, de ferro.

H.Reis

sábado, 6 de novembro de 2010

Morenice aguda

A Morena que te olha, a Morena que não te vê.

Que é tu pra achar que a Morena olharia pra você?

A Morena olha pro invisível, a Morena olha pro céu.

E o queixo dela fica a aparecer.

Ela prefere te mostrar o pescoço moreno

Do que te encantar com olhos de cigana.

Nada oblíqua, nada dissimulada.

Somente linda e delicada.

H.Reis

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Andança

Acompanho Drummond,
que me leva a ruas de Itabira,
A ''Aniversário'' e a ''Tardes de Maio'' perdidas.
Enquanto andamos reparo em sua calva cabeça.
Cabeça de muitas ideias,
Cabeça de muitas vidas,
Cabeça de um só Drummond.
Nunca calva de ideias ou palavras.

''O Vestido'' que traz nas mãos é mesmo seu.
Não lhe serve,
Não me serve,
Serve a quem?
Ao poeta invisível que perdoa a traição,
Que se perde no amor imenso.

Drummond correu,
Dobrou a esquina da rua estreita.
Nunca mais o vi.
Itabira perdeu seu artista.
''O Vestido'' ficou em minhas mãos.
Só agora ele me serve.

H.Reis