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terça-feira, 22 de junho de 2010

''Quem são os animais?''

Esse texto baseia-se em um fato verídico.


Tínhamos aula de Literatura depois do intervalo. Estávamos estudando romantismo e pelo contexto da matéria, a professora resolveu passar um filme pra turma: ‘’Moulin Rouge’’. Acho que a sala toda já havia assistido antes, menos eu. Mas já que o trimestre estava no fim e não tinha mais matéria pra dar, ver o filme seria um jeito descontraído de ilustrá-la. A professora,uma das minhas preferidas e mais queridas, era linda, delicada, um doce de pessoa. Não sei se o fato de ela lecionar a matéria que eu mais gosto influenciava no meu carinho e admiração por ela. Conversávamos muito, ela sempre sorridente, tinha assunto pra tudo, era bastante culta.

Uma vez me contou que tinha um cachorro, Luan, de 10 anos. Disse que que era como um filho pra ela. Eu achava uma gracinha a relação dos dois. Ela tinha Orkut, no álbum, era provável ter mais fotos do tal cãozinho que da própria Andréa. A chamamos de Prette, é o sobrenome dela e além disso, temos outra professora Andréa , de Geografia.

Mas voltando ao dia do filme:Prette foi à nossa sala e chamou a turma para a sala de vídeo,o filme estava na última parte.Eu havia percebido que ela estava triste,abatida,sem sorrir,coisa habitual de ela fazer quando chega em sala.Comentei com a Jéssica a tristeza da professora e ela disse:

-É,também reparei.Ela deve ter brigado lá na coordenação. Ah, duvidei muito.Prette não era de brigar ou fazer confusão.Era de uma ‘’finesse’’ incrível.Nunca a vi elevar o tom de voz e ela me dá aula há um ano e meio.Quando a turma tá conversando,ela pára e diz:

- Pessoal,vamo lá.Só um minutinho aqui.Como se prestar atenção na aula fosse um favor que agente fizesse pra ela.

Então o filme rolava.Eu ,de 10 em 10 minutos olhava pra ela,que não mudava a fisionomia triste e angustiada.Eu já tava ficando preocupada.Ela fingia prestar atenção no filme,já visto umas 8 vezes por ela.Quando o filme acabou,ela foi levar agente pra sala.Eu fui andando do lado dela,não perguntei nada,só fiz algum comentário sobre o filme.Se ela quizesse me contar o motivo do abatimento,seria por ela mesma,eu não a pressionaria.No início do corredor ela diz:

-Ô,Helena,não te contei oque aconteceu.

-Oque,fessora?

-O Luan morreu ontem!

Minha cabeça rodou. O ''filho'' da fessora havia morrido ( pra que essas aspas? afinal, pra ela e o marido, ele era realmente um filho. Nutriam um amor sincero pelo animal.). Eu fiz aquela cara de espanto de sempre e disse:

-Aahhh! Fessora!! Bem que eu percebi que cê tá bem tristinha hoje. Que dó!

E ela, com aquele olhar inconsolável, disse:

-Pois é, lembra que no ano passado ele fez uma cirurgia na bexiga? Então, a infecção voltou e ele não resistiu.

Nisso agente já tava em frente á minha sala. Eu não sabia oque falar. Os olhos dela cheios d’água. Os meus já tinham enchido e transbordado ( sou sensível demais, chorona demais.).

-Que dó, fessora!

Dei um abraço de leve nela. Juro que por um momento tive medo de abraçá-la forte e ela acabar quebrando, pois estava tão frágil e sensível que isso não seria difícil.

-E como cê tá, fessora?

-Ah, eu tô arrasada. E ele era meu amigão, meu companheiro. Tinha 11 anos.

Acho que em vez de ‘’amigão’’ ela queria falar filho, mas por algum motivo não disse. Ela tinha que dar aula no 3ºano e o sinal já havia batido; desceu as escadas e eu no corrimão vendo ela descer e dizendo pra ela não ficar daquele jeito. Contei pra Jéssica oque tinha realmente acontecido. Nada de brigas ou discussões na coordenação. Era a morte do amado cachorro. Perda de um ente querido. Queridíssimo. Enquanto eu contava, minhas lágrimas brotavam involuntariamente. Jess olhava:

-Quê isso, Helena? E dava uma risadinha discreta.

Eu entendia, pois não é comum ver uma amiga sua chorando porque o cachorro da professora morreu. Mas eu chorava também por ver a tristeza da Prette; ela estava sofrendo e eu nada podia fazer para ajudar ou amenizar a dor dela. Prette nunca mais seria a mesma. Seus sorrisos literários das aulas teriam, nem que de leve, um tom de melancolia, dor, e mais: saudade. Ninguém substituiria Luan. Ela nunca mais veria os olhos doces daquele animalzinho.Uma parte dela se esvaziara.

OBS:O título é de uma crônica do Ruy Castro,da qual Andréa gosta muito.Uma ''homenagem''( com aspas,pois,quem sou eu pra fazer homenagem a Ruy Castro?)

H.Reis

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