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quarta-feira, 30 de junho de 2010

Vazios

Ela fumava um Vogue na varanda enquanto ele dormia pesado no quarto anexo.
Ela pensava que o amava, não tinha total certeza. A noite que passaram juntos havia sido linda, romântica, mas ela ainda estava vazia. Não sabia do que aquele vazio se compunha. Afinal, vazios não são compostos de nada, são apenas vazios.
Ele acordou, ficou na cama ainda um pouco, relembrando a noite passada, tentando reviver aqueles momentos em pensamento. Havia sido tudo perfeito para ele.
Levantou-se, foi lá fora na varanda, deu um beijo no pescoço dela e perguntou se ela havia dormido bem.
-Não dormi. Fiquei aqui fora sentindo a brisa leve e fumando uns cigarros.
-A noite toda?
-Aham. Ela respondia com indiferença, como se quisesse estar em outro lugar conversando com outra pessoa.
Ele, percebendo a frieza dela, foi lá dentro pegar um cigarro no maço que estava em cima do criado mudo. Chegou lá e só tinha a caixa, vazia. Pensou: ''ela deve ter fumado todos''.
Ficou preocupado, pois sabia que a amada só fumava quando estava passando por algum problema ou ansiedade. Resolveu não dizer ou perguntar nada.
Ela continuava lá fora, debruçada na grade que a impedia de pular daquela varanda do nono andar. Olhava os arranha-céus.
As roupas que vestira na noite anterior estavam emboladas nas dele em cima do sofá vermelho.
Quando ela notou que ele havia ido tomar banho, pensou logo em fugir ; deixar tudo aquilo pra trás e ir viver sua liberdade ou sua prisão. Viver seu vazio sem a intromissão de ninguém.
Pegou suas roupas no sofá cor de sangue, trocou-se rápido. Resolveu que nunca mais o veria.
Quis levar uma lembrança dele, pelo menos algum detalhe, nem que fosse pequeno.
Pegou o cinzeiro que eles haviam comprado em Búzios, colocou dentro da bolsa e saiu, toda amarrotada, pela porta do quarto insano. Desceu o elevador, chegou na rua, olhou pra cima e viu ele, debruçado na grade que o impedia de pular daquela varanda do nono andar. Olhava os arranha-céus. Ela voltou seus olhos para o mesmo ponto. Olhavam os arranha-céus. Não viram foi os arranha-corações. Pois esses tais ficam no vazio. No vazio de cada um. Naqueles vazios, que não são compostos de nada, são só vazios.

H.Reis

Um comentário:

  1. já me senti assim e naum me arrependo de ter fugido pra viver meu proprio vazio que no meu caso estava bem cheio naum levei nenhuma lembrança .o tempo passou e o vazio continua cheio.

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